Desde o início da pandemia no Brasil até esta quinta-feira, 12 de novembro, mais de 160 mil famílias choraram seus mortos vítimas da Covid-19. Minha família foi atingida duas vezes. A última aconteceu na madrugada de terça-feira, 10, para quarta-feira, 11. Dessa vez, algo foi diferente, a morte ficou mais amarga que o normal.
Na madrugada de quarta-feira, depois de mais de um mês internado, meu tio Carlinhos, aos 67 anos, faleceu vítima da Covid-19. Sem despedidas, só orações e pensamentos.
Quando você perde um ente amado, a dor é imensurável. Nós não aceitamos perder a convivência, o sorriso, as brincadeiras, as histórias… Tudo é muito difícil para assimilar. Imagine não se despedir! Pois, como todos sabem, quando uma pessoa morre desse vírus, não é permitido um velório ou qualquer ritual fúnebre de despedida.
Perdi uma pessoa que fez toda a diferença na minha infância feliz. Um homem alegre, que deixava tudo melhor com a sua presença. Tive o privilégio de ter Carlos Gaeta na minha história. Um ser humano que toda família deveria ter e eu me sinto grata por tal.
Um pouco depois de saber de sua partida, ouvi o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro, no qual ele diz que “somos uma nação de maricas” por sempre “bater na tecla” do número de vítimas que, apesar de pequeno, ainda existe. Todo esse discurso foi bem indigesto para a minha e muitas outras famílias, que perderam uma pessoa amada.
São famílias, senhor presidente! São entes queridos que não podemos nos despedir. São seres humanos, são brasileiros! A marca que Jair Bolsonaro quer deixar para a posteridade só pode ser a da falta de sensibilidade, de educação, de senso…
Todos sabem que a única certeza dessa vida é a morte, senhor presidente! Nada justifica total falta de postura da sua parte para falar de mais de 160 mil mortos na nação na qual o senhor é o responsável direto. No mínimo, mais empatia com a dor de milhares.
Carlos Gaeta era pai, avô, marido, e um tio muito amado. Se foi e deixou um buraco no peito de seus amigos e familiares. Tenho lindas histórias na minha vida, na qual a sua voz era narrada. Momentos tristes, em que ele foi o ombro e o sorriso.
Em um desses momentos, no qual nunca esquecerei, ele me consolou na morte do meu avô Wilson Rocha, quando tinha apenas 8 anos. Com aquele jeito doce, dançou comigo a música “Nos Bailes da Vida”, de Milton Nascimento. Esse momento me marcou de tal forma que virei fã de Milton.
Eu, como marica, choro a morte dele. Choro pelo fato de não dançar mais ao som de Milton com ele. Choro por ver meus primos se despedirem do super pai que eles tiveram. Eu, como marica, dedico esse texto a ele e a milhares de maricas que choram a perda de seus amados entes.
Viva os maricas de coração! Viva os “tios Carlinhos” que habitaram as histórias de muitos brasileiros! Que ele descanse no acalanto do universo.
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