Teatro: o reflexo da cultura das sociedades

Ator Anderson Vasconcelos- Crédito: Arquivo Pessoal

O homem primitivo já fazia teatro como expressão dos seus sentimentos para mostrar sua fé e retratar a vida cotidiana. Era através de danças e rituais que ele manifestava essas realidades. De origem grega, a palavra teatro significa “lugar de onde se vê”.

O teatro, conhecido como a quinta arte, lida com as nossas emoções, onde, no palco, nossos sentimentos são colocados diante de nós. No teatro, os atores emprestam o corpo e a voz para viver os personagens criados pelos autores, e as circunstâncias reverberadas e personificadas nessas cenas, podem nos tocar de forma muito intensa, mexendo com nossas emoções, nos proporcionando múltiplos sentimentos. No palco, passamos também a nos reconhecer.

A semente do teatro ocidental tal como o conhecemos hoje teve origem na Grécia, quando nas celebrações para Dionísio, o deus do vinho, que aconteciam periodicamente, houve o primeiro diálogo.

Com o passar do tempo, o teatro evoluiu, passando do caráter religioso para abranger temas bem mais diversos. Atualmente, a variedade de gêneros teatrais é muito rica, o que demonstra a grandiosidade dessa linguagem artística.

O Instituto Internacional de Teatro – IIT, criado em 1948 por Sir Julian Huxley e JB Priestly logo após a Segunda Guerra Mundial, criou em 1961 o Dia Internacional do Teatro, mas sua celebração só se deu no ano seguinte. O dia escolhido foi 27 de março.

Na celebração dos 60 anos de comemoração e homenagens ao teatro mundialmente em 2022, o IIT enfoca que os tributos se concentrarão “nos jovens, na próxima geração, nos artistas emergentes, que têm sido um forte foco especial do ITI no passado recente”. (https://www.iti-worldwide.org/es/index.html).

SURGIMENTO DO TEATRO NO BRASIL

A situação de chegada e início de encenações teatrais no Brasil, já é em si, complicada, pois, essa linguagem artística nesse momento surge como mecanismo colonizador, haja vista que serviu como metodologia de dominação religiosa dos padres jesuítas na doutrinação de povos indígenas.

Sendo a Arte de um modo geral via de linguagens e expressões que manifestam contextos sociais, principalmente servindo como válvula de escape e reação às dominações sistêmicas, o teatro surge como “aliado” à essas ideologias ascendentes.

Algumas das características desse teatro naquele momento eram sobretudo, transmitir ensinamentos católicos e valorizar o propósito bíblico em detrimento da expressão artística.

Um fato interessante marca a história do teatro no Brasil quando Dom João VI e sua família chegam aqui em 1807 motivados pela fuga a Napoleão Bonaparte. Com o intuito de entreter os nobres, o rei traz em sua caravana diversos artistas da música, teatro, dança e das artes plásticas.

O empenho foi tanto que o rei por decreto instituía a criação de teatros para atender a demanda da nova classe que se instalava por aqui. Desse modo, passam a ser encenadas peças que tinham como mote social o modelo francês, algo que não refletia os costumes daqui.

Num salto mais temporal, entre 1964-1985, período em que ocorreu a Ditadura Militar no Brasil, a linguagem teatral, assim como as outras linguagens artísticas, sofreu censura e perseguição.

DOS ATAQUES ÀS RESISTÊNCIAS ATUAIS

Não muito diferente de tempos anteriores, os ataques e tentativas de banimento das artes no Brasil continuam a todo vapor. Recentemente, as questões ideológicas e políticas de caráter conservador têm tentado se consolidar no terreno das artes de um modo geral.

Haja vista a extinção do Ministério da Cultura, e daí em diante todo um retrocesso, descaso e ataques ao cenário artístico e cultural. Só para citar como exemplo, o espetáculo teatral Abrazo, da Companhia Clowns de Shakespeare, teve de ser cancelado minutos antes do início no Recife em 2019.

Valer ressaltar que a peça aborda temas como repressão e censura. A Companhia Dos à Deux passou por situação semelhante com o espetáculo Gritos, peça que apresenta numa de suas cenas, uma travesti nua.

Produções artísticas consideradas de cunho esquerdista, bem como espetáculos que abordam temáticas LGBTQIA+ têm sido combatidas com veemência pelo governo atual, que em julho de 2019 chegou ameaçar de extinção a Agência Nacional de Cinema-ANCINE.

Enfim, somado a tudo isso, tivemos ainda o cenário da pandemia da Covid-19 que obrigou a parada de todas as apresentações teatrais, acarretando prejuízos incontáveis na vida de artistas e produtores culturais.

O TEATRO INDEPENDENTE: A ARTE QUE RESISTE

O ator Anderson Vasconcelos, 39 anos, morador de Sobral, no Ceará, segue na via da resistência e amor às artes, sobretudo, o teatro. Ele é graduado em Filosofia, atua e também é o diretor da CIA Primeiro Ato.

Anderson e sua companhia de teatro continuam firmes na produção de novos espetáculos, mesmo com as inúmeras dificuldades. A referida Companhia é formada por atores que vêm das periferias da cidade, mas que amam atuar, e por isso, acreditam na arte como via de microrrevoluções.

Para Anderson Vasconcelos, o “teatro é a arte que melhor representa a vida e onde também pode reinventá-la da maneira que o próprio teatro quiser. É um encontro do ser humano com ele mesmo”, e isso só vem corroborar com a própria etimologia da palavra teatro, como sendo o ‘lugar de onde se vê’.

Anderson Vasconcelos em cena, na peça “” Eu Por Inteiro”. Crédito: Arquivo Pessoal

Sobre as dificuldades dentro desse campo, Anderson também menciona obstáculos na produção de espetáculos. É possível imaginar o quão desafiador se torna fazer teatro nas condições em que sua companhia está, sendo uma iniciativa de pessoas que não têm exatamente recursos básicos para produzir.

Anderson enfatiza que “fazer teatro é sempre difícil no que diz respeito à montagem de espetáculos, para grupos independentes que têm que ir em busca dos recursos financeiros que a peça exige, grupo que não tem sede, [que] sofre com falta de espaço para ensaios, [e que isso] consequentemente dificulta montagens novas”.

Produções de espetáculos

“Dom qui Chove Pensamento”, um texto autoral, produzido em 2008 e apresentado até 2014, com várias remontagens;

“Cassacos” (2018/2019), transposição de um livro do autor sobralense Cordeiro de Andrade que retrata Sobral na seca de 1919 e o eclipse histórico daquele ano. Este, em sua primeira montagem foi aprovado num edital de incentivo à montagem da SECULT (Secretaria de cultura do município);

“Os Deslimites da Palavra” foi um espetáculo em homenagem ao poeta Manoel de Barros;

“Solo Fértil” espetáculo com causos do sertão, poesia matuta e recitação de cordel.

“Eu por inteiro” espetáculo autobiográfico do artista Anderson Vasconcelos.

Atores na peça ” Cassacos”. Crédito: Arquivo Pessoal

Novas montagens

Nesse caminho de resistência, a CIA Primeiro Ato prepara o espetáculo 50 Mastigadas Antes de Engolir”, uma reflexão acerca da vida e como estamos aproveitando o tempo enquanto estamos vivos. Fazendo um paralelo com um dado nutricional de que quanto mais mastigados os alimentos, melhor serão absorvidos os nutrientes pelo corpo, assim deve ser com tudo que nos acontece, ou seja, não “engolir” de uma vez, mas “mastigar” bem e saber discernir o que é bom e o que é para ser descartado.

É esse o sentido da peça, que será apresentado beirando ao teatro do absurdo, para que o público também reflita com a gente o que está fazendo da vida. Essa é a sinopse da peça.

Anderson Vasconcelos sugere para quem está nessa resistência cultural, no enfrentamento dos desafios nas artes, que é importante “continuar produzindo, resistindo. É uma tarefa árdua montar um espetáculo e mantê-lo em cartaz na cidade”, afinal, para ele, “o teatro sempre resiste”.

Por fim, isso é o teatro, isso é a arte resistindo ao longo dos tempos à todas as situações adversas.

O teatro é essa voz que ecoa no íntimo de nossas emoções, porque nos faz mergulhar dentro nós mesmos, salta para as questões externas, sociais, políticas e culturais, expondo nossos posicionamentos, descontentamentos, sentimentos; libertando-nos das angústias que tentam nos calar.

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