Olhos coloridos – O julho brasileiro

Marcha das Mulheres Negras 2019 / Créditos - Reprodução

O Movimento Negro no Brasil tem seu marco na Revolta da Chibata em 1910, tendo como líder o marinheiro João Cândido, tendo depois ganhado força com o jornal Menelick em 1915, a criação da Frente Negra Brasileira na década de 1930 até a ditadura de Getúlio Vargas, retornando à legalidade na decáda de 1970 com a criação do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNU) que veio a conquistar a criminalização racial na Constituição atual. Essa cronologia de lutas e resistência, no entanto, persiste desde os tempos de Dandara e Zumbi dos Palmares, caminhando em passos lentos à conquistas de direitos fundamentais. Atualmente, com a expansão das redes de comunicação e o maior acesso provocado pela mesma foi possível unir pontos primordiais ao movimento que em 2015 passou a celebrar uma agenda de debates, eventos e marcha no mês de Julho. 

O mês Negro tomou esse nome através da data que inspirou a união de grupos de mulheres negras por todo o território nacional, dia das Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, comemorado no dia 25 de Julho em referência ao primeiro encontro de mulheres em Santo Domingo, na República Dominicana, além de ser dia Nacional de Tereza Benguela, grande líder quilombola. A ideia de criar-se uma Marcha de Mulheres Negras partiu da militante negra Nilma Bentes, levando a repetir o feito todos anos desde então. De Angela Davis a Djamila Ribeiro, grandes nomes do movimento acadêmico negro, tem sido expressado a necessidade de se dar destaque e projeção para as mulheres, muito ignoradas pela história por sua participação durante todo esse processo de resistência. A Marcha surgiu para elucidar essa vontade e trás consigo uma mistura de mulheres representantes das mais diversas classes, funções e ocupações na sociedade. A interseccionalidade que permeia a mulher negra é diversa e essa complexidade precisa estar mais visível nas pautas de políticas públicas para fazer jus aos mais de 49 milhões de brasileira negras e para tal, é preciso ouvi-las e incluí-las no debate. 

Em conversa com a militante, ativista,psicologa, mentora, consultora, empreendedora, Daise Rosas Natividade, foi possível identificar a importância de Julho e os entraves ainda fortemente presentes no cotidiano das minorias, no Brasil. ‘’ A Marcha das Mulheres ocorre, todos os anos em várias cidades, solicitando que os direitos das mulheres façam parte das políticas públicas. É um ambiente de luta, aconchego e encontros.’’, Daise explica ainda que é preciso ter um olhar real sobre a saúde e a educação, compreendendo o impacto que o déficit desses serviços geram para a população negra, principalmente. Quando perguntada sobre os avanços das pautas, o descontentamento com o atual governo é destacado,‘’Última década tiveram sim alguns avanços nas políticas públicas, mas o retrocesso atual é gigantesco. É governador que atira de helicóptero, presidente com visão social dilacerada sobre a população negra e prefeito que não olha para a população negra, principalmente, no que condiz o campo da saúde.’’. Os desafios diários da negritude no Brasil permeiam todas as áreas, e é através da cultura que os jovens tem se comunicado cada vez mais com o movimento negro, de acordo com Daise, ‘’A absorção das pautas pelos canais culturais, como o Slam, por exemplo, tem sido muito interessante.’’. 

Marcha das Mulheres 2019 – crédito Daise Natividade

De acordo com o Mapa da Violência de 2015, o número de assassinato de mulheres negras aumentou em 67% em comparação com mulheres brancas, que reduziu. Ao considerar índices como o Índice de Homicídios na Adolescência, também percebe-se que jovens negros tem quase 3 vezes mais possibilidade de morte que um jovem branco. Não é difícil perceber que há um problema social de cunho racial e esse não pode mais passar despercebido. Seja das violências obstétricas aos assassinatos, das físicas às morais, o denominador comum, em sua maioria, é a pele negra. Essa realidade mostra que ainda há um longo caminho pela frente e um desses caminhos poderia vir através do reconhecimento da história brasileira, das atrocidades que culminaram o desequilíbrio social que aqui se encontra e como não há sentido um país miscigenado banhar-se em preconceito velado enquanto ‘’a verdade é que você e todo povo brasileiro tem sangue de crioulo’’, como canta Sandra de Sá.[embedyt] https://www.youtube.com/watch?v=dP-0KMjd-dg[/embedyt]