No Dia da Favela colaboradores da ANF falam sobre seus territórios

Morro da Providência, no Rio de Janeiro é a primeira favela brasileira, tendo se formado em 1897 - Foto: JR-ART.NET

Nesta terça-feira, 4, é comemorado o Dia da Favela. Na botânica, “favela” é um tipo de árvore ou arbusto da família das euforbiáceas, cujos ramos produzem uma variedade de farinha muito proteica. No popular, é um conjunto de moradias. Na letra da música, é um lugar do povo, com becos e vielas; com humildade verdadeira e gente simples de primeira. Na cultura, é funk, rap e samba. No dia a dia é mototáxi, “30 ovos por 10 reais”, “eu te ajudo com as bolsas, tia”. Para o Estado, é alvo.

A Agência de Notícias das Favelas dá voz a seus colaboradores Erika Verling, Dionatan Bruno, Simone Lauar, Anderson Vieira, Carlos Oliveira e Carla Regina para expressarem, em poucas palavras, seus sentimentos sobre o que é a favela e como é pertencer a esse território.

Erika Verling – Engenho da Rainha

Apesar de todos os problemas, quando penso em favela, penso em identidade, pois devo a ela a construção do meu caráter. A favela me ensinou a ser forte. Aqui aprendi o que é coletividade e desenvolvi a empatia pelo próximo.

Fazer parte deste espaço é ter o privilégio de colaborar com a construção de uma cultura única, mas também entender que ainda existe muito a ser feito por nós e pelo poder público para melhorar as condições de moradia, renda e educação.

Dionatan Bruno – Morro da Providência

Favela é também uma planta típica do sertão da Bahia, da região de Canudos. Mas hoje favela é retratada como um sinônimo de aglomeração de pessoas. Além dos tantos outros adjetivos que a sociedade insiste em colocar em cima dela.

Pertencer à favela é uma mistura de sentimentos. A alegria surge com os bons momentos vividos nela. A tristeza é colocada pelo Estado por meio das ações desumanas. Entram na favela matando, em sua maioria, pretos e nordestinos.

Simone Lauar – Complexo da Maré

Favela é coletivo. Favela é ensinamentos e histórias, prantos e grandes vitórias. Aqui existem pessoas excluídas e prejulgadas por aqueles que nem fazem ideia do que é viver aqui. Favela é cultura, sangue e raça. Eu não nasci na favela, mas ela me criou.

Hoje sou uma Simone muito diferente da que nasceu em Vila Isabel, em berço de classe média. A vida me trouxe para a favela por um propósito. A favela te faz enxergar, te faz crescer e te humaniza. Hoje sou o que sou por conta das histórias que passei, dores que vivi, vivo e viverei na favela.

Morar aqui não é para qualquer um. Seria eu uma privilegiada ou uma pobre coitada, por ser descriminada e viver com medo da bala achada? Não sei. Só sei que moro aqui e por aqui agora eu luto, vivo e me sinto mareense de nascença. Viva a favela! Respeitem a favela!

Anderson Vieira – Favela da Kelson’s

Favela é disposição, direito, diversidade e potencial. Não é prepotência dizer que o morador mostra na essência sua capacidade criativa de verdade. Feita de ruas, becos, vielas, rimas, versos e prosas. Tentam criminalizar, mas é só analisar que ela lança muita gente talentosa. Doa a quem doer mas tenho que dizer, que festa na favela é a frase que todos amam dizer. Porque dentro dela tem esporte, cultura e lazer.

Tenho muito orgulho de ser da favela, pois nunca me vi como um “pobre” e “carente” e sim como um favelado potente.

Carlos Oliveira – Acari

Favela é acolhimento. É morando na favela que descobrimos o nosso papel para melhorar nosso entorno. Eu me sinto parte dessa sociedade, que tem problemas reais, e que precisa agir para mudar essa realidade.

Carla Regina – Morro do Turano

Em primeiro lugar, favela é falta de opção e de condições, que acabaram virando uma resistência a essas faltas impostas pelos governantes deste país desde o final do século XIX. Também vejo a favela como um fracasso dos mandatários, pois, como não são capazes de darem melhor condição de vida a maioria dos cidadãos brasileiros, os jogam à própria sorte. Além de ordenarem as diversas operações policiais que dão continuidade aos tempos de escravidão.

Operações que ceifam todos os dias dezenas de vidas, em sua maioria, negras. Favela é a luta diária pela sobrevivência e pelo mínimo que seja de espaço, mesmo que seja ao lado de um esgoto a céu aberto ou de uma enorme lixeira. Mas, mesmo com todos os problemas, favela é muita alegria e solidariedade, porque aqui dentro é “nós por nós”.

Pertencer à favela é como fazer parte de um mundo que está fora deste universo. É ser igual e diferente de todos ao mesmo tempo. Eu pertenço a um lugar único, com muitas peculiaridades. Eu pertenço a um lugar que tem a diversidade como marca registrada, pois aqui estão todos os excluídos. Aqui estão todas aquelas pessoas que não se encaixam nos padrões impostos pela sociedade, e eu sou uma dessas pessoas. Eu pertenço a uma sociedade que tem seus próprios padrões.

Leia mais: Saneamento básico na favela: sonho ou realidade próxima?

Leia mais: Debate entre candidatos à prefeitura carioca eleva voz das favelas e periferias

Leia mais: Painel Unificado Covid-19 nas Favelas lança campanha sobre importância do acesso à informação