Neymar, Mbappé e os Meninos da Tailândia – notas sobre a copa do mundo

Campo de futebol de várzea na periferia de Quito, Equador (Foto: Alexandre Santini)

 

O que une um garoto pobre da periferia do litoral paulista, um filho de pai camaronês e mãe argelina criado nos subúrbios de Paris e os  adolescentes “Javalis Selvagens” da Tailândia? Os pragmáticos poderiam dizer, como Bill Clinton: “É a economia, estúpido!”. Mas em verdade vos digo: é o futebol, a nossa religião leiga, muito mais que um jogo, que um esporte, que um negócio, sem deixar de ser  tudo isso. A Copa do Mundo, que se encerra esta semana, nos deixa como legado imagens, personagens, momentos em que o esporte se encontrou com a história.

Uma Rússia do século XXI se apresentou aos olhos do mundo: altiva, orgulhosa, auto-estima elevada, contemporânea do mundo de hoje, mas profundamente vinculada ao seu passado e tradições.  Pedro, o Grande, Stálin e Putin aparecem unidos por um amálgama narrativo da “Grande Rússia” , de forte apelo no imaginário e ancestralidade daquele país. Problemas e contradições estão presentes, e fazem parte do jogo.

Vimos o Panamá em uma festa nacional pelo seu primeiro gol marcado em Copas do Mundo, mesmo tomando uma goleada de 6 na mesma partida. O Peru ser eliminado na primeira fase, mas cheio de brio e dignidade por estar de volta à elite do futebol mundial. O México sofrer uma derrota para o Brasil em campo, e nas urnas o povo mexicano conquistar a maior vitória da esquerda na história do país, enquanto aqui o povo brasileiro segue tomando um 7×1 por dia.  A surpreendente campanha da Croácia, cuja base de jogadores pertence à primeira geração de Croatas nascidos e criados após a independência do país. Um povo que viveu os horrores de todas as guerras do século XX, celebrando com lágrimas nos olhos a cada partida vencida, as conquistas dos seus meninos de ouro.

Que outro evento, que outro esporte, nos aproxima desse jeito da história, do sentimento, do momento político de tantos países e de tantos povos? Os Jogos Olímpicos  também provocam intensidades semelhantes. Países que nunca ouvimos falar, ou de existência recente, ao subir no pódio inscrevem o seu nome, seu hino, sua bandeira, entre as grandes nações do mundo, e assim seus atletas fazem história. Mas com todo respeito aos esportes olímpicos, modalidades como Polo, luta greco-romana e arremesso de disco não frequentam o cotidiano de povos dos 5 continentes como o futebol, e isso faz muita diferença.

Podemos dizer que, de certa forma, o futebol salvou os meninos tailandeses que ficaram semanas presos numa caverna e foram resgatados com vida, uma história que comoveu e mobilizou o mundo. Segundo os médicos, peritos, bombeiros, especialistas em missões de resgate  envolvidos na operação, se não fossem eles os “Javalis Selvagens”, com seu espírito de equipe, de grupo, de time, de confiança e respeito ao treinador e sua liderança, se não tivessem o condicionamento físico e imunidade propiciada pela prática esportiva, dificilmente teriam sobrevivido – todos! – a uma situação tão adversa.

Os Javalis Selvagens não ficaram sabendo dos resultados dos jogos da Copa pois estavam, literalmente, dentro de uma caverna. Mas no próximo domingo devem assistir, em Moscou, à final do torneio, como convidados de honra.  Nós aqui do lado de fora, quer sejamos torcedores fanáticos, peladeiros convictos, colecionadores de figurinhas, simpatizantes eventuais ou definitivamente desinteressados pelo que se passa durante os 90 minutos de uma partida, não temos como ficar indiferentes a estas jogadas e lances extraordinários que o futebol provoca, muito além das quatro linhas do gramado.