Mc Zuleide traz humor e arte para mostrar sua realidade através das redes sociais

Suelen Beatriz Inocencio da Silva, 23 anos, ou como é mais conhecida: Mc Zuleide.
O nome veio antes de ser Mc, quando tinha 16 anos e adorava assistir a série Cidade dos Homens com seu irmão mais novo. Nela havia uma personagem chamada Zuleide, que diziam que parecia com ela e começaram a apelidá-la assim. Quando foi chamada para um estúdio pela primeira vez e seu dom para compor foi descoberto, decidiu usar o nome artístico de Mc Zuleide, que além de ter a conexão com a sua infância, também, segundo ela, “traz a representatividade das mulheres mais velhas, por ser um nome considerado mais antigo.”

Cria do Complexo do Chapadão, na Pavuna, é filha de Rosana Inocêncio Santana e Sirlei José Santos da Silva. A história de amor dos dois começou em um baile funk, onde Rosana era Mc e cantava, e Sirlei era frequentador, principalmente das brigas nos bailes de corredor. Desde nova o universo do funk sempre esteve presente em sua vida, tendo recebido muita influência dos pais, mas principalmente do ambiente em que vivia. “A favela é um ambiente extremamente musical, comecei no funk porque eu sabia que era a arte o meu caminho. O favelado vê o crime e escuta funk diariamente, isso é algo cotidiano”, afirma, complementando que na época, morava em frente a um baile então o estilo musical sempre esteve presente em sua vida. 

Jornada de ambulante

A vida de Suelen é regida pelo movimento. Desde as mudanças de casa até os cerca de 16 corres que já teve que fazer para se sustentar na vida. Já morou na favela Dom Bosco, Tinguá, Morro da Torre e Via Light, de onde tiveram que se mudar pois acontecia muita enchente, e quando enchia ninguém saía de casa. Seus pais atualmente moram na Favela do Lixão, em Cabo Frio. De lá para cá ela já se mudou para a Barreira do Vasco, e atualmente está temporariamente no Morro da Providência. Sua jornada de trabalho é intensa, pois de onde vem seu “ganha pão” é com o café da manhã e lanche que vende para os barraqueiros da praia do Leme a 3 anos. 

Ainda de madrugada, às 04:30h da manhã é quando acorda para comprar pão, fazer tudo que falta, organizar os alimentos e chegar na praia no máximo até as 08:00h. Para conseguir chegar a tempo, pega o ônibus que vai lotado, o 483. Já na areia, passa vendendo pão, bolo, chocolate, café, cachorro quente para cerca de 60 barracas. Quando acaba, volta para sua casa, faz mais comida, e retorna à praia para vender o lanche da tarde e recolher o dinheiro de todos. “Acaba” tudo às 18:30, mas quando chega começa tudo novamente. “To procurando uma casinha para mim no Morro da Babilônia, mais perto do meu trabalho, vai economizar muito tempo”.

Se descobrindo Mc

Suelen tinha um grupo de hip hop e danças urbanas com outras 3 mulheres, e em uma determinada oportunidade participaram de uma batalha no Viaduto de Madureira e ganharam, o que trouxe visibilidade para as integrantes. Quando o grupo se desfez, um amigo produtor a chamou para ir ao estúdio. Quando lá chegou, um outro produtor que era de lá, queria que ela cantasse a música dele. Foi quando bateu de frente com o machismo pela primeira vez. O homem só se referia ao seu amigo produtor enquanto falava, nunca a ela.

A letra de sua música falava de mulheres das favelas que gostam de bandido e ela se recusou a cantar por essa não ser sua realidade. Foi então que o produtor colocou uma batida e ela escreveu sua primeira música ao vivo na hora. Gravaram tudo e lançaram; foi a partir daí que a rede social de Mc Zuleide surgiu, e quando lançou sua música “Olhando pra você”, que teve grande repercussão de forma orgânica, suas redes começaram a bombar, porém chegou a pandemia, onde não poderia nem trabalhar na praia e nem fazer show. 

Confrontada por essa realidade mas sem desistir, abriu o “lava-jato rosa” na Barreira do Vasco com sua amiga, e iniciou em uma sorveteria. Lá, ela pensava: “como consigo manter a música nesse ambiente?” e sem saber, começou a escrever poesia. “Foi a o poesia que me sustentou durante a pandemia. Fiz uma poesia falando sobre a minha realidade, que antes tinha medo de fazer por causa do meu linguajar, medo de tirarem sarro, e depois que lancei essa primeira poesia tive um bom retorno. Toda vez que tô bolada eu escrevo.” A poesia, de certa forma, lhe deu esperança para não desistir da arte, e de sentir a liberdade para fazer o que quiser – apresentadora, atriz, mc, cantora, poeta.

Novos caminhos

Com jeito autêntico, irreverente e engraçado, Mc Zuleide hoje tem 17.500 fãs na sua rede social. Os vídeos vão desde coreografias de funk, a reflexões profundas, mas sempre carregados de bom humor, que é seu principal traço. Quando estava desanimada com a música, a cantora Preta Gil a seguiu no Instagram e a chamou para uma entrevista, que deve ir ao ar em duas semanas no perfil “Point da Preta”. Essa oportunidade a encheu novamente de esperança e felicidade. 

Semanalmente, ela se reúne à amigos em um apartamento na Lapa onde há um encontro, o “É sobre isso” onde pessoas negras de diversas periferias que são destaque em suas áreas, contam um pouco sobre sua vida e referências. Mc Zuleide traz toda sua bagagem para falar sobre o funk, principalmente sobre o empoderamento de mulheres através dele, e o forte machismo que existe dentro do meio. “Ser mulher já é difícil desde que nascemos, mas depois que me inseri na arte, vi que era minoria negra entre as mulheres e que desmereciam a minha arte só porque sou mulher. As pessoas não estão preparadas para lidar com mulheres que sabem o que são, isso é algo que incomoda porque as mulheres são criadas para serem “recatadas”, apesar dessa não ser sua realidade”.

Tendo entre suas referências, mulheres como Mc Carol, “que sabe se posicionar e falar sobre o que sente”, e Tati Quebra Barraco, “uma mulher favelada da Cidade de Deus, que foi mãe aos 13, era merendeira, viajou o mundo cantando músicas que falavam sobre sexo e quebrando padrões”, Zuleide diz que não tem medo de se colocar em um meio dominado por homens e mostrar que esse também é seu espaço, que pode contar sua história, e que o prazer faz parte dela.

 “Agora que sou adulta, sei que posso conseguir coisas maiores. Todo favelado sonha em dar uma casa para seus pais, e o meu não é diferente, quero chegar para os meus pais e dizer que agora ninguém mais paga aluguel. Quero tirar minha mãe de trás da caixa do supermercado, para que ela possa mexer com seu próprio dinheiro e não com o dos outros. Que a gente possa viver com tranquilidade, sem faltar o básico. E que ela ainda possa me ver subindo no palco Mundo do Rock in Rio, fazendo músicas com a Ludmilla e com a Anitta”, finaliza.

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