Crônica: um sonho de greve

Mônica de 26, empregada a um, como assistente de tráfego, passa a chave, invade a casa. Avisa a mãe para tirar da novela, colocar nas notícias.

O telejornal faz, durante sua programação, ao menos três intervenções sobre as possíveis decisões do tribunal do trabalho e uma longa matéria, em torno de dois minutos e meio, sobre os transtornos de uma paralisação na cidade.

Mônica havia sido vendedora em loja de roupa e maquiagem, revendedora de
cosméticos, muambeira no mercadão de Madureira, enquanto penava em um
supletivo no último turno. O curso superior se mostrou uma ilusão, pagando uns
semestres, abandonou. A mãe que acabava de perder o final do episódio, com o controle na mão, perguntava o que houvera. Encontrou o canal, desatenta saiu.

Da cozinha ouviu, de lá gritou: − Greve? − e passou a resmungar − Que absurdo. Vê lá se isso é direito!?

Há tal hora, os cômodos tinham silenciado. Mônica ao deitar em sua cama de solteira, distraída, olhou o berço da pequena da irmã de dezesseis ao lado, pensando em Jorge, na lábia de Jorge, seu fiscal. Antes, a ajudou no banho da filha, tornada adulta à força.

Como era atrevido e engraçado. Leu suas mensagens, as visualizou, não as
respondeu. Leu as notícias que se atualizavam na internet e na justa lista exigida pelo sindicato de sua categoria. Ao colocá-lo para carregar, também trocou umas palavrinhas com as amigas, e é verdade, reclamaram. Como chegariam ao trabalho no dia seguinte?

Não lhe gerando desconforto ou opinião, apesar de certo desgosto em
explicar. Despertou lentamente, era uma manhã de quarta. Preparou o próprio café. A mãe já tinha partido pra feira, só voltaria no final da xepa. A irmã que deu o peito durante a madrugada, se via derrotada no sofá. Encostou à pia, se pegou imaginando: no reajuste salarial, nos benefícios, nas condições mínimas de sobrevivência dos trabalhadores, até na intransigência das empresas, dias antes, que desatou o inevitável.

Muitos entusiasmados aplaudiram, os receosos se calaram. Refletiu o
discurso que foi dito e foi lido e que ainda era vivo dentro dela. E, no decorrer da manhã, espiou algumas desistências impostas pelas circunstâncias.

Na universidade trancada, nos sonhos interrompidos. Não pensaria nas vezes que
precisou do auxílio desemprego, não se preocuparia tão mais com as compras de
mês, o que lhe tirava o sossego. Quem sabe, talvez, cedesse aos pedidos de Jorge, sorriu, que numa dessas tardes calmas de domingo se amariam.

Ingressaria no sindicato e deliberaria junto ao gabinete reservado. Logo sua voz ecoaria como música aos rodoviários da capital fluminense. Nunca mais passariam humilhação.

Despertou lentamente, com a mãe na ponta da cama. O corpo mole não dava
resposta aos estrondos do berro. Acorda mulher! O Tribunal Regional do Trabalho
considerou ilegal a greve. Mas, isso já era previsto. Pois é, se arruma, o sindicato recuou.

Havia chamadas no celular. Mordeu os beiços. As mensagens diziam: − Compraram o juiz! Ligou pra um superior. Sim, isso, apesar dos 60 por cento do
efetivo nas ruas, como manda a lei… Soltou um porra. Os patrões sempre vencem.

Só pode ter pelego no meio. Vai vendo! Saiu correndo, que antes do almoço tudo
voltaria ao normal. Vambora! Que cada um se defende como pode.