Carlos Cruz: o menino da favela que virou modelo, rei e astro de cinema

Carlos Cruz, modelo baiano. Crédito: Arquivo pessoal
Carlos Cruz, modelo baiano, homenageado pelo bloco Filhos de Gandhi. Crédito: Arquivo pessoal

“A vida me ensinou a nunca desistir, nem ganhar, nem perder, mas procurar evoluir. Podem me tirar tudo que tenho, só não podem me tirar as coisas boas que eu já fiz pra quem eu amo”. Charlie Brown Jr.

Nascido no bairro de San Martins, em Salvador, Carlos José de Santana Cruz, 26 anos, modelo, mais conhecido como Carlos Cruz, nome adotado para homenagear o avô, é uma das inspirações para os jovens pretos, principalmente de Salvador. Sua história de vida é algo motivador fazendo com que outros jovens acreditem no seu potencial, que pessoas pretas podem chegar onde elas quiserem e realizar todos os seu sonhos. No carnaval deste ano Carlos foi escolhido como modelo e o rosto do bloco Filhos de Gandhi.

Formado em radiologia e contabilidade, Carlos começou no mundo da moda em 2017, quando Sivaldo Tavares, produtor cultural, o encontrou e lhe propôs para fazer uma fotografia, coisa que não era do seu mundo, e foi quando começou sua carreira no projeto Top Model Fama, permanecendo por 2 anos. E logo depois, passou a fazer parte da Agência One Models onde foi chamado pelo diretores da agência André Menegry e Pepê Santos, e foi morar em São Paulo, em 2018, ano muito produtivo e de grande aprendizado para sua carreira.

Carlos Cruz, modelo baiano. Crédito: Arquivo pessoal

“No primeiro ano o mercado não me absorveu com muita facilidade, devido à oportunidade restrita de trabalho que é dada para o negro, além da crise que o país enfrentava”, comenta Carlos Cruz.

Por diversas vezes abordamos nessa coluna dominical o quanto a luta do povo negro cotidianamente é difícil, mas não vivemos apenas de sofrimento, temos vitórias, conquistas, superações, sonhos e inspirações que motivam o povo preto a continuar a lutando pelo seu direito. E é com esse intuito que hoje trazemos uma história de força, alegria, sonhos e inspiração.

Carlos não desistiu, e depois de muito esforço conseguiu trabalhos nacionais e internacionais para marcas e empresas famosas como Vogue, Banco do Brasil, Samsung, Nestlé, Riachuelo, Track&Field e sendo fotografado por um dos fotógrafos mais famosos do mundo, Mário Testino. Estar no mundo da moda não significa estar a salvo de situações discriminatórias, muito pelo contrário, uma vez que negro e moda nunca estiveram juntos na mesmo contexto como algo positivo, principalmente pelo fato de nunca serem ditos ou vistos como um “padrão de beleza”.

“O negro sofre com a falta de oportunidade, com o mercado desigual. O preconceito da rua reflete no trabalho, se a gente não souber se impor. A gente tem que sentir a dor dos nossos. Eu passo o preconceito que meus amigos passam, eu sempre me coloco no lugar dos meus amigos e de outras pessoas pretas, e é assim que a gente luta pelo que os nossos ancestrais lutaram no passado”, desabafa Carlos Cruz.

Carlos Cruz, modelo baiano. Crédito: Brazilian One Model

Estampar capas de grandes marcas nacionais e internacionais e realizar trabalhos que antes não eram disponibilizados ao povo preto é uma grande vitória não só para Carlos, mas para todos aqueles que o acompanham do início da sua carreira, até para aqueles que começaram a conhecer recentemente. Falar sobre representação é muito significativo e emocionante para o baiano, pois muitos que sonham em ter essa oportunidade ainda não tiveram, e hoje ter pessoas próximas que se inspiram na sua trajetória, como sua afilhada que diz ficar emocionada o vendo como modelo, é algo que toca o coração.

“A moda não me escolheu, eu que escolhi a moda, porque eu tinha outra vertente na vida. Trabalhava com contabilidade, trabalhei por 7 anos. Hoje vejo minha afilhada acompanhando tudo que eu publico e ela diz que quer ser igual a mim, então isso me balança”, acrescentou Carlos.

Quando chega em Salvador, Carlos é chamado de “Rei” ou “Rei da favela” pelos amigos e vizinhos, algo que enche de alegria, pelo entendimento de ser uma referência, não apenas para as crianças, mas para os jovens e adultos, o que lhe motiva a continuar seguindo sempre em frente, sem esquecer de onde veio. Carlos acredita que é um espelho para essas pessoas, e quer continuar sendo e fazendo a diferença, pois quando ele procurou uma referência preta no mundo da moda foi muito difícil encontrar.

Carlos Cruz, modelo baiano. Crédito: Arquivo pessoal

“Com meu trabalho tento contribuir para que as pessoas tenham oportunidade, outros caminhos, evitem ir para o crime, por exemplo, que infelizmente é uma realidade para muitas pessoas que moram na periferia, apesar de grande parte dos moradores viveram de maneira honesta, mesmo com dificuldades financeiras. Eu fico sem palavras pra descrever essa emoção, em saber que eu toco uma classe menos favorecida. Na minha rua os caras me cham de “rei, o rei da favela” e eu gosto disso, eu estou levando o nome de onde eu vim pro mundo”, explica Carlos.

 

A história de Carlos Cruz será contada através do documentário produzido pela produtora Coisa Forte Produções.

Carlos Cruz, modelo baiano. Crédito: Arquivo pessoal

Em dezembro de 2019, Carlos foi convidado pelo cineasta Giovane Sobrevivente, para um documentário sobre sua história de vida. “Eu fiquei balançado com o convite de Geovane, ele é um cara incrível, inovador e sempre com coisas voltadas para o desenvolvimento e a valorização do negro. A proposta de contar minha história, minhas vitórias, derrotas, e que isso poderia incentivar sonhos, que meu trabalho é política, não partidária, mas política de defesa do negro, da cultura negra, e eu deveria expandir isso, foi emocionante de ouvir”, conta, emocionado.

Apesar da surpresa com o convite, Carlos sabe que é admirado e respeitado por muitos. E dessa forma surgiu a ideia do documentário, que começou a ser gravado em dezembro e em março teve suas gravações finalizadas. Porém, devido a pandemia tiveram que atrasar alguns passos, mas o projeto já está na fase final, em processo de edição.

Carlos Cruz, modelo baiano. Crédito: Arquivo pessoal

O corpo negro nunca foi visto como “padrão” pela sociedade, principalmente pela branquitude e isso fez com que muitos, não só jovens, acabem deixando de gostar do seu próprio corpo, esquecendo suas próprias origens. “Acredito que no documentário eu conto toda minha vida, minha história e minha essência. Eu vejo com uma quebra de paradigma. Tudo que me colocavam como impossível eu coloco no meu documentário para as pessoas acreditarem que seus sonhos são possíveis, o negro tem beleza, mesmo vivendo nessa sociedade ultrapassada que não nos oferece as mesmas oportunidades. O negro tem valor sim e merece ser colocado em local de destaque”, afirmou o modelo.

Devido a pandemia, o lançamento do filme que estava previsto para acontecer em junho, ficou para no final do ano, ainda sem mês e data. A ideia que o lançamento seja na Escola Municipal Fonte do Capim, onde Carlos estudou, no bairro San Martins, mesmo bairro onde nasceu e cresceu. Como projeto futuro, depois da estreia, o documentário será disponibilizado nas plataformas digitais pelo canal Coisa Forte Produções.

“A ideia dele é fazer esse lançamento com as crianças do bairro, com as pessoas que me conhecem e conhecem a minha história, para arrecadar alimentos e fundos para ajudar pessoas”, conclui Carlos Cruz.

Carlos Cruz no bairro San Martins, em Salvador, cenário do filme sobre sua vida. Crédito: Arquivo pessoal

Desde criança Carlos esteve envolvido com o mundo das artes, especialmente o teatro. Agora é tema de um documentário sobre sua própria vida. Arte e vida em constante conexão. Para conhecer mais sobre a história de Carlos Cruz é só seguir o Instagran  @o_carloscruz.