Teresina precisa falar sobre saúde mental

Em reportagem, a psicóloga Hesla Marques conversa sobre a importância do cuidado da saúde mental, programas e projetos voltados para o reconhecimento das emoções.

foto: Rádio Senado

* este texto fala sobre suicídio

Na última semana, os Teresinenses foram devastados com uma notícia inesperada: a morte do ex-Prefeito Firmino Filho – PSDB (57), na terça-feira, 06/04. Como o fato aconteceu em uma capital tão pequena, onde muitos se conhecem, este fato pode ter sido devastador para diversas pessoas.

É por isso que nesta entrevista com a psicóloga teresinense, Hesla Marques da Silva Mota, vamos falar desse assunto tão importante que é saúde mental, principalmente em tempos de pandemia.

Teresina, capital do Piauí, é uma das menores capitais de um Estado do Nordeste que, mesmo com status de capital, tem população pequena e uma sociedade afetiva e comunitária, que sofre com os destinos da vida. A comoção tomou conta da cidade. Não pelo fato de ele ser um político, mas sim por como ocorreu.

Luci: Na sua opinião, como está a saúde mental da população teresinense?

Hesla Mota: Quando falamos em Saúde Mental nos voltamos para nossos sentimentos e emoções e como lidamos com eles em contextos adversos. Por mais que pensemos a saúde mental pela ótica do próprio indivíduo, não podemos esquecer que os fatores externos, fatores de risco, também são grandes disparadores de estresse e ansiedade, que quando somados às características individuais, podem culminar em prejuízo para a saúde mental.

A cidade de Teresina conta com o Samu, com os Caps, com o Hospital Areolino de Abreu, esferas na assistência social e psicossocial. Porém, apesar das políticas públicas voltadas para essa questão, ainda vivenciamos um individualismo (que não se limita a essa cidade, mas trata-se de um âmbito mundial) que nos isola e impede de olharmos para o outro com empatia, além da competitividade a nível escolar, universitário e empregatício. Sem falar da pressão social para uma produtividade 24h e uma exigência externa para que sejamos útil o tempo todo.

As escolas, cada vez mais, estão cobrando das crianças e dos jovens. Isso sem olharmos para nossa estrutura física enquanto espaços de lazer. Possuímos alguns “parques” públicos como o Parque da Cidadania, o Parque Potycabana, por exemplo, mas que não têm investimentos em espaço recreativos, áreas com vigilância, nem política efetiva de conscientização da importância de se falar e de investir em saúde mental.

A violência em Teresina cresceu muito nos últimos anos. De acordo com o Atlas da Violência, a taxa de homicídios de Teresina é a 13ª maior entre as capitais, o que também se tornou um estressor para a saúde mental, além dos diagnósticos de transtornos mentais como depressão e transtorno de ansiedade que cresceram muito. Isso nos leva a questionar como anda nossa saúde mental e o motivo pelo qual o Estado e o Município não favorecem um ambiente mais acolhedor e nos leva a olhar para nós mesmos diante desse cenário. Esses fatos nos trazem a importância da Psicologia em todos os contextos e de quebrar estigmas relacionados à saúde mental. São muitos os pontos que estão relacionados direta e indiretamente: o desemprego, a prática da resiliência, o acesso à psicoterapia, que continua uma prática elitizada. Acima de tudo isso, vale ressaltar que buscar ajuda é sempre o primeiro passo.

Luci: Qual sua perspectiva, como psicoterapeuta, sobre os casos de suicídio que ocorrem na cidade? 

Hesla Mota: Cada pessoa vivencia essa questão de Saúde Mental de uma forma particular. Ainda mais no contexto de pandemia. No geral, o relato de ansiedade aumentou, demandas relacionadas a um alto grau e até mesmo de transtorno se evidenciaram. Isso também em conversas com colegas de profissão, grupos de pesquisa, entre outros. Também os expostos pela mídia. Muitas mães que estão fazendo o isolamento compartilham um aumento no nível de estresse, estudantes com aulas remotas ainda se mostram com muita cobrança e desânimo.

Houve aumento, entretanto, nas descrições de idosos com depressão e de pessoas que perderam o emprego ou que não podem trabalhar por conta dos decretos. Além de casos mais específicos que mostram que o contexto de pandemia, isolamento, medo, descontrole, adaptação, perdas, geram um comprometimento da saúde mental. Isso vale para qualquer pessoa que passa por isso, independentemente do local. Mas diferencia nas oportunidades de acolhida e informação e acesso à ajuda especializada.

Nesse caso, em Teresina, com o aumento dos casos; novos decretos de restrições e a falta de segurança na política; os desvios de vacina; violência; desigualdade social, entre outros, são fatores que contribuem ainda mais para que esse contexto de pandemia se torne um fator de mais adoecimento.

Luci: Como as pessoas podem buscar ajuda nesses tempos de pandemia da Covid-19?

Hesla Mota: Aqui estão alguns dados que podem ser encontrados no Boletim de Informação em Saúde, no site da secretaria de saúde do Estado do Piauí. O boletim traçou o Perfil Epidemiológico da Mortalidade por Suicídio e Violência Auto provocada (tentativa de suicídio) no Estado, entre 2018 e 2020.

“No Estado do Piauí, entre 2018 e 2019, ocorreram 651 registros de óbitos por suicídio no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). Desses, 76,5% ocorreram no sexo masculino e 23,5% no feminino. A taxa bruta de mortalidade específica por suicídio foi de 10 óbitos por 100.000 habitantes, sendo discretamente maior em 2018 (10,1/100.000 hab.). Estadual, dentre as mortes violentas no Estado do Piauí, o suicídio ocupou a terceira causa de morte com 14,8%, homicídios (26,19%) e acidentes (58,0%)”. É um número bastante assustador e indicador de que precisamos fazer algo. Quando digo precisamos é chamando para uma questão holística. A sociedade como um todo se torna responsável.

Isso nos faz questionar, como falei anteriormente, o cuidado com a saúde mental, um olhar mais humano para os transtornos mentais e um olhar mais crítico para a efetividade das políticas públicas e para os investimentos na população. O Centro de Valorização da Vida  (CVV) é uma associação sem fins lucrativos, formada por voluntários treinados para atender demandas emocionais, oferecendo apoio emocional e contribuindo para a prevenção do suicídio. O Provida trata-se de um Ambulatório que tem um trabalho especializado no atendimento à demanda espontânea de pessoas com ideação suicida.

Centro de atenção psicossocial – CAPS – contamos com sete em Teresina. Eles são gerenciados pela Fundação Municipal de Saúde – FMS e direcionados ao atendimento exclusivo de pessoas com transtornos mentais. Centro Débora Mesquita – CDM, uma organização filantrópica que ajuda na prevenção e pós-venção do suicídio em Teresina, informando sobre sintomas, causas e tratamentos disponíveis dos transtornos psíquicos.

Serviço Escola de Psicologia – SEP, serviços ofertados por algumas universidades e faculdades, de forma gratuita ou valor simbólico acessível.

Serviço de Atendimento de Urgência Psiquiátrica: Em casos de surto psicótico ou tentativa de suicídio, o Hospital Areolino de Abreu e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU. Além disso, há projetos no Instagram com plantões psicológicos gratuitos como @psicologodepantao_
que faz atendimento para todo o Brasil, com serviço também de psicoterapia a preço acessível.

Luci: Para finalizar, Teresina é uma cidade triste?

Hesla Mota: Interessante essa pergunta, pois muitas pessoas confundem tristeza com depressão ou pensam que é a causa de um suicídio. O suicídio é multifatorial, não se pode olhar para ele como tendo uma causa específica. Temos os fatores de risco, os disparadores, a genética por trás dos transtornos mentais, percepção da própria pessoa, as crenças, a história de vida, enfim, aspectos psicológicos, biológicos, culturais, existenciais, etc.

É um fenômeno que causa espanto, dúvidas, nos faz olhar para dentro, para o outro, para a morte e para a vida. A tristeza é um sentimento natural do ser humano e até de outros seres, mas nós verbalizamos. Não é porque Teresina tem uma alta taxa de suicídio que podemos rotular a cidade como triste. Isso mostra mais uma vez o estigma relacionado ao suicídio, ao transtorno mental e à saúde mental. Teresina é uma cidade alegre. Muitas coisas nela podem nos deixar tristes.

O importante é olhar para o que pode ser melhorado, fortalecer as classes para as lutas em união, quebrar paradigmas relacionados à medicação psiquiátrica, compreender mais a importância do cuidado da saúde mental, programas e projetos voltados ao reconhecimento das emoções e cobrar por uma sociedade menos adoecida.

Entrevistada: Hesla Marques da Silva Mota, CRP: 21/04049

 

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