Trem e ruas do Jardim Lapena, em São Paulo, são cenários de peça teatral

Imagem feita por Cassandra Mello
Imagem de três atores indígenas da peça "Reset Brasyl" dentro do trem olhando para horizonte.

Dirigido por Ana Carolina Marinho com dramaturgia de Juão Nyn, está em cartaz o espetáculo Reset Brasil, do Coletivo Estopô Balaio. Com elenco de 20 atores, sendo 12 crianças, ainda somam-se residentes na comunidade do Jardim Lapena, zona Leste de São Paulo, personagens que, ao caminharmos pelas ruas durante o espetáculo, são apresentadas.

Vencedor do Prêmio Shell de 2020 em inovação por sua peça anterior, Cidade dos Rios Invisíveis, os artistas agora voltaram à cena com um novo problema: as fronteiras. Nessa obra de teatro de rua, baseada em pesquisas antropológicas e históricas, somos inseridos no contexto dramatúrgico desde da estação Brás, até São Miguel Paulista.

No trajeto, vamos ouvindo vozes que afirmam e perguntam O Brasil sumiu? A apresentação é o segundo resultado do projeto Trilogia da Amnésia, que nos insere em um fluxo entre 1562 e 2023, dentro do trem.

Na estação de São Miguel Paulista, começa a jornada pelo bairro, momento em que não existe mais São Miguel a Itaim Paulista, porque o grandioso aldeamento de Ururaí alcança até cidades do Alto Tietê.

O que é o Coletivo Estopô Balaio?

Fundado em 2011 por João Júnior e Ana Carolina Marinho no extremo leste paulistano, no Jardim Romano, a coletividade é composta em sua maioria por artistas vindos de outros locais para a capital paulista.

Juão Nyn, que realizou a dramaturgia do espetáculo, é um deles. Indígena potiguara, nascido em Rio Grande do Norte, integrou-se em 2014 ao grupo para participar como ator na obra Cidade dos Rios Invisíveis, e está com a trupe até hoje.

Segundo ele, o grupo “é uma coletividade de diferentes linguagens que reside aqui no Jardim Romano, extremo leste de São Paulo, na sede que temos, Casa Balaio. É chamado de Coletivo Estopô Balaio de memória, criação e narrativa. Então, a gente sempre partiu de histórias reais, biografias”, explica o artista.

Ele diz que seu maior orgulho é que “sempre trouxemos as pessoas biografadas para dentro da cena. Assim, nunca falamos pelas pessoas, mas sim com as pessoas ou sobre nós mesmos”.

Não existiria coletivo sem essas pessoas, Segundo Juão Nyn, “como os fundadores estavam dando aula de teatro pela periferia, acabaram encontrando nas crianças e em outros moradores histórias que fazem sentido serem transformadas em obras teatrais.  Diante disso, nascem todas as nossas peças”.

 Trilogia Amnésia e Reset Brasil

Foi em conversas com o historiador Xukuru Tupinambá que souberam mais sobre a história de São Paulo, a extensão do aldeamento de Ururaí e o conflito da perspectiva entre a revolução constituinte e o cerco de Piratininga.

O professor e doutor da USP apresentou também fotos dos primeiros migrantes nordestinos aos pesquisadores do coletivo e todos identificaram a indigeneidade daqueles corpos. Assim, realizaram uma residência artística e encontraram talentos da própria territorialidade próxima da Capela dos Índios, símbolo da colonização e catequização dos povos indígenas. 

Jéssica Marcele participou das duas cenas mais fortes da peça, a primeira sobre o movimento Mães de Maio da Leste, que trouxe Marcia Gazza para falar sobre a brutalidade policial que levou seu filho à morte em 2015. O contato com a moradora  foi importante para a pesquisa teatral avançar além do que a dramaturgia trazia.

Mas, afinal, o Brasil sumiu?

Durante muitos outros momentos do espetáculo, os atores conversam com os moradores da comunidade. Em um desses, perguntava-se sobre a identidade deles, porque, como os registros históricos dizem, muitos são sobreviventes indígenas das violências coloniais.

As respostas eram variadas, mas as raízes indígenas, pretas e nordestinas estavam sempre presentes. Ainda, em constante diálogo com esses mais velhos, estavam as crianças e atores que cantavam o enredo com muita garra gritando “retomada não tem volta”.    

Como esse grito de guerra, quando o espetáculo chega à praça do Forró, termina a peça. E lembra da segunda cena marcante da Jéssica Marcele, citada antes? Ocorre exatamente ali, quando ela incorpora Ururay. Ao falar isso, fica clara a importância dela não só para a peça, como para a atriz.

“Durante o processo, conversei muito sobre com o Juão Nyn. Tinha dúvidas se meu lugar era realmente ali, naquela cena, com aquele texto, meu corpo, meus traços. Lembro dele falar sobre ser indígena de cá e indígena de lá, mas também ser essa confluência, essa mistura entre essas duas terras”.

Crianças descobrem identidade indígena

Muitas das crianças entenderam-se como indígenas durante o processo de criação e desenvolvimento da peça, afirma Jéssica. Segundo ela e Juão, a criança precisa ter centralidade na comunidade, como possuem em aldeias e quilombos, para materializar futuros e retomadas cada vez maiores.

Para isso acontecer, é necessário entender sobre o que é essa retomada, para não ficar abstrata a dimensão do que é o Brasil sumir. O dramaturgo responde e esclarece falando que “o conceito surgiu pelas retomadas de territórios sagrados, mas existem também retomada cultural, alimentícia, étnica. Existem muitas camadas. As relações são muito complexas, mas eu sinto que estamos no momento de incinerar as ficções coloniais“.

Serviço

A peça estará em exibição no Sesc Belenzinho até o dia 15 de junho e tem previsão de continuar sua trajetória por cerca de 10 anos. Ela acontece nas quintas e sábados. Sua continuação, Reset América Latina, está em pesquisa até abril do ano que vem.

O projeto é financiado pelo Programa Municipal de Fomento ao Teatro da Secretaria Municipal de Cultura e ProAC (Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo).

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