RIO ARAGUAIA DE JANEIRO

No Brasil tudo começa com um prólogo maravilhoso. Todo mundo acredita. Fiz até um samba a partir do momento em que conheci o Artigo quinto da Constituição Brasileira – Todos são iguais perante a Lei, ei-lo:

Ao ler a constituição do meu país

Eu fiquei maravilhado e me senti mais feliz       Bis

Eu não sabia que era tudo hipocrisia

Está no papel, mas não cabia

Era só para nos enganar

A saúde falida deixou uma ferida no meu coração

Igualmente perdida estava sem vida a educação 

Conscientização para o povo                                Bis

Faça a revolução                                               

Vocês vão ver como muda a situação

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Surge então, A Comissão da Verdade e trás com ela, mais um novo e convidativo preâmbulo:

-As Comissões da Verdade são mecanismos oficiais de apuração de abusos e violações dos Direitos Humanos e vêm sendo amplamente utilizadas no mundo como uma forma de esclarecer o passado histórico. Seu funcionamento prioriza escutar as vítimas de arbitrariedades cometidas, ao mesmo tempo em que dá lugar a que se conheça também o padrão dos abusos havidos, através da versão dos perpetradores dessas violências ou da revelação de arquivos ainda desconhecidos.

A implementação de uma Comissão da Verdade, permite reinserir no debate social a questão do autoritarismo e suas nefastas consequências, promovendo a reflexão e principalmente prevenindo a eventualidade de políticas públicas que sigam escondendo a verdade e/ou permitindo a continuação de abusos e de violações dos Direitos Humanos.

Em 2003, consegui trazer ao Jacarezinho, a relatora especial da Organização das Nações  Unidas (ONU) para Execuções Sumárias, Arbitrárias e Extrajudiciais, Asma Jahangir. Ela recusou-se  a comparar a situação do País com o cenário internacional. “ Acho que vocês não iam querer comparar o Brasil com outros países, disse. No Congo é uma guerra. O Brasil é uma democracia. Mas aqui habita um quadro miserável e triste, onde não há justiça. Existe sim, é  matança, afirmou”.

A declaração foi feita depois da relatora ter passado mais de quatro horas em visita às favelas do Borel e Jacarezinho, onde ouviu cerca de 20 depoimentos de mães e outros parentes de vítimas de várias comunidades pobres do Rio. “O número de vidas que foram ceifadas é muito grande. Foram três ou quatro em cada (depoimento)”, disse

Acostumada por dever de ofício a escutar este tipo de relato, a alta funcionária da ONU pareceu se emocionar ao conversar com mães de pessoas assassinadas por policiais e ao se ver cercada por crianças, curiosas pelo movimento e que nem sequer sabiam quem ela era declarou: “ Vocês estão entendendo por que essas mães estão chorando? Porque querem justiça e vocês, quando crescerem, vão lutar por justiça”, disse as crianças.

Segundo Asma, para acabar com as execuções, em primeiro lugar, o governo tem que aceitar que elas existem. Mas isto só não basta. “Tem que haver profundas mudanças. Não se pode ter crianças sendo mortas pela polícia. A polícia não pode lutar contra o crime cometendo crime”

 Depois desta visita, lideranças de vários lugares que receberam a relatora, foram assassinadas. Eu consegui escapar, graças as sensibilidades e estratégias de grupos e pessoas que sempre me cercaram.

Comissão da Verdade num país em que o índice de corrupção e violência cometido pelo Estado é elevadíssimo, temos que ser realmente muito otimistas. Podemos colocar como símbolo dessa desesperança, o ex. comandante da Polícia Militar do Acre, que matava e esquartejava pessoas com moto serra. Hildebrando Pascoal, preso há 14 anos ao liderar um grupo de extermínio e por envolvimento com o narcotráfico. Como se não bastasse o cargo público de comandante da PM, não satisfeito, foi eleito deputado federal com 7.841 votos, o mais votado proporcionalmente da história acreana , num Estado onde com até 600 votos, se elegia deputado estadual. Vale ressaltar que foi exatamente aí, que o atual Presidente do Senado José Sarney foi eleito, embora sua oligarquia pertença ao Estado do Maranhão.

Se até agora 22 anos depois da ditadura militar, não conseguimos obter do Estado as verdades sobre as atrocidades  cometidos na época, como fazê-los revelar as verdades de ontem? Nada mudou, as torturas, as conivências, as execuções, continuam vivas, presentes nos atuais agentes públicos representantes credenciados pelo Estado, o qual omite as verdades em defesa da permanência de um sistema podre historicamente iniciado pelos portugueses, ralés e submissos do capital financeiro europeu.

O odor exalado por esses súcias continuam presente no nosso ar. Vermelhando e poluindo ainda mais as águas dos nossos rios. No Araguaia os corpos daqueles que lutaram contra a ditadura. No Rio Botas município de Belford Roxo – Rio de Janeiro, o corpo do menino Juan de Moraes. Era mais um menino negro pobre, vítima da truculência e arrogância do nosso Estado Democrático de Direito, o qual tentou escamotear a verdade. A perícia absurdamente, chegou a dizer que seria o corpo de uma menina. Sustentaram mentiras até serem desmascarados.   

O fato, é que uma Comissão da Verdade, num sistema que jamais sofreu mudanças em suas estruturas, é o mesmo que acreditar em Papai Noel entrando pelas nossas chaminés. Eu acho que vamos sim, é entrar pelo cano mais uma vez. E se insistirmos, vamos parar nas águas dos Rio Araguaias de Janeiro.

Rumba Gabriel

Agência de Notícias das Favelas e Movimento Popular de favelas