“Resistir para Existir”

A esquerda Luis Bandeira diretor da peça Existir Resistir e o elenco (foto: Anderson França)

O bairro que fica localizado em uma das áreas bastante cobiçada de Salvador, em frente a Avenida Luiz Viana Filho ( Paralela), ao lado da Orlando Gomes e próximo as praias de Itapuã e Piatã, além do Aeroporto Internacional Deputado Luís Eduardo Magalhães, mostra mais uma vez um símbolo de resistência através da cultura por jovens e pessoas de uma certa idade, apresentando seu trabalho artístico que conta a história do bairro e inquietações contra o os preconceitos sofridos.

A comunidade que é tida por quem não a conhece como um local perigoso e de marginais, apesar de ter vários empresários oriundos de outras adjacências e viram oportunidade de crescimento no local – contradizendo os preconceitos tidos pelo bairro – dessa vez mostra a sua cara para a própria comunidade e a além dela pelas artes que serão apresentadas nos dias 08, 9,10 de dezembro 2018, isso por conta do projeto Boca de Brasa.

A vinda do projeto para o Bairro da Paz se deu através de um edital que foi lançado pela Fundação Gregório de Mattos para os espaços Boca de Brasa na capital baiana. A coordenadora de projetos comunitários da Santa Casa de Misericórdia da Bahia – Programa Avançar, Marta Verônica, 46, e sua equipe tiveram um curto tempo para a elaboração do projeto que se deu através das demandas do bairro, ou seja, o Programa Avançar tem o cunho de perguntar as pessoas quais cursos são de interesse da comunidade para disponibilizá-los e não lançá-los sem que haja essa pesquisa.

A Santa Casa no Bairro da Paz não executa os cursos em si por não ter fundo financeiro para isso e sim paga aos funcionários/colaboradores do programa para conseguirem parceiros que possam viabilizar os cursos no programa Avançar com base nas necessidades da comunidade e nas condições de seus parceiros. E com o objetivo de conseguir a continuação dessas atividades será realizada uma apresentação de teatro e outra de dança no dia 10/12/2018 no Teatro SESI Rio Vermelho para os parceiros que já trabalham com a Santa Casa como o SESI, o SENAC, SENAI, emissoras de TVs e pessoas físicas que poderão manter o interesse na continuidade desse trabalho realizado por jovens interessados em algo sério.

A comunidade também pode ajudar a Santa Casa a conseguir os parceiros para o financiamento dos cursos através da divulgação das apresentações de encerramento que ocorrerão no dia 08/12/2018 a partir das 16 horas no Espaço Avançar. Convidar pessoas para assistirem as exposições das telas pintadas pelas senhoras do curso de pintura em tela, as apresentações de dança afro que tratará de temas como genocídio –feminicidio – homofobia – preconceito – empoderamento e cultura urbana e de teatro que contará a história do Bairro da Paz e também conhecer o livro de literatura feitos pelos alunos da oficina de literatura,além de reverberar o bem trazido para a comunidade por  esses cursos em questão de conhecimento e de algo positivo que acontece no bairro, pois o pontos negativo se propagam com grande intensidade já os positivos não.

“Os próprios moradores e integrantes dos grupos que passam por aqui, que fizeram ou fazem cursos ainda aqui e os veículos internos de comunicação podem divulgar de forma positiva o que está acontecendo e a necessidade da continuidade disso”, ressalta Marta.

Esses cursos têm um processo de modificação comportamental positivo nas pessoas em relação a postura e isso graças a escolha de ótimos profissionais para a ministrar as aulas,ou seja,os alunos de grafite se mostravam tímidos assim como os  de teatro que se apresentavam de cabeça baixa e com decoreba de texto, mas hoje se mostram completamente diferentes, ou seja, “pegaram o espírito da coisa”.

 “Não levantavam a cabeça para falar. Eram meninos bem tímidos e hoje a gente ver esses meninos que falam,  expressam-se e  conseguem botar para fora o que eles gostam”, afirma Marta  retratando-se dos alunos de grafite.

Através desse curso os grafiteiros puderam e poderão ainda mais ajudar a quebrar o preconceito com arte, ou seja, mostraram em ruas do bairro e próximo a ele que o grafite é algo artístico e bonito de se ver, gerando interesse em clientes de outros bairros como Nazaré, Saúde, Mussurunga e Planeta dos Macacos – São Cristóvão – que estão em uma lista de espera para terem esse trabalho artístico em seus muros e paredes.

Os alunos do curso de teatro terão a difícil missão em retratar de uma forma fidedigna a história do Bairro da Paz tocando nos pontos fortes que as famílias passaram para poderem estar até hoje na comunidade, pontos esses como as derrubadas das casas por policiais, as lutas dessas famílias com todas as dificuldades enfrentadas para se manterem vivos até hoje, a perda de parentes, as agressões sofridas os preconceitos tidos por todos e principalmente pela mídia sensacionalista, e terão também a responsabilidade em desconstruir as visões equivocadas e preconceituosas de uma forma diferente e mostrar o outro lado do Bairro da Paz que sempre quis ser apresentado e agora pode acontecer através dessa peça com participação importante de todos envolvidos nesse espetáculo.

Ao ser convidado para ministrar as aulas de teatro Luis Bandeira, 45, pensou em trabalhar a dramaturgia negra e em falar sobre a Revolta de Búzios que é uma pesquisa que se tem há mais de dez anos e virou livro numa forma contemporânea. Contudo ao perceber nas conversas tidas com os atores a história muito forte e tendo alguns deles militantes e agitadores culturais, além do desafio lançado pelo gestor do Boca de Brasa em contar a história do Bairro da Paz, Bandeira começou o trabalho de construção da peça a partir dos jogos teatrais .

Para a composição do texto convidou o ator e dramaturgo Paulo Neri, 49, o qual antes tinha o mesmo preconceito dos que não conhecem a comunidade, pois a visão passada para ele era de que se entrasse no Bairro da Paz seria fuzilado. Paulo relata essa informação com muita vergonha, mas hoje se sente muito orgulhoso ao ver a comunidade representando sua história e inquietações.

“Essa peça vai desmitificar toda essa historia, porque eu entro e saio daqui tranquilo não vejo essa coisa cavernosa”, relata Paulo.

O convite para a construção do texto foi algo muito bom para o autor por ele também residir em favela – Alto da Ondina, mesmo morando lá por opção, e ver que sua comunidade também passou pela situação do Bairro da Paz. Para a construção do texto Neri realizou pesquisas na internet, fez questionários com os atores e extraiu histórias nas aulas ministradas no início do curso pelo autor.

A fidedignidade que a história chega ao palco o deixa muito feliz e espera que essa história um dia vire um livro, pois escreveu em formato de livro e pretende lançá-lo no ano de 2019.

Bandeira pediu apenas que o texto não fosse drama, pois está cansado de ver comunidade “se fazer de coitadinho de mim” e nem comédia por já ter trabalhado no primeiro semestre, queria um texto que fosse mais reflexivo, tranquilo e que não o fizesse rir demais e trouxesse reflexões.

Luis Bandeira espera que haja uma mudança de comportamento em relação a visão do público para com o Bairro da Paz, pois quem está no palco é o grupo de teatro do Bairro da Paz e não o ator A ou B quebrando, o paradigma de estar com a periferia discriminada da cidade de Salvador e não as estrelas da cidade e afirma ainda está satisfeito com o trabalho.

“Isso me deixa muito orgulhoso, eles não vão fazer vergonha de jeito nenhum e está provado que a negrada da periferia tem arte e cultura e pode fazer qualquer coisa”, relata Luis Bandeira.

A peça trás ainda a valorização do nordestino a través da paródia da música Asa Branca, composta por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. A paródia se deu após alguns empecilhos tidos pela instituição em conseguir músicos do bairro e por fim foi apresentado um que se tornou ator do espetáculo e também é rapper. Contudo não chegaram os músicos, então a direção da peça decidiu chamar dois amigos, um baterista e o outro percussionista, dançarino e ator para juntos criarem a melodia, porém com o corre-corre não se deu a criação da melodia.

Então no dia do laboratório foi proposto a ideia da paródia de Asa Branca e logo os atores pegaram o ritmo e os músicos o desenvolveram.

Essa apresentação vai além de aceitação da comunidade, ela pôde mostrar novos espaços a pessoas que desconheciam proporcionando novos conhecimentos, ou seja, atores que antes nem sabiam ir ao Rio Vermelho agora podem ir para se apresentar no palco do SESI onde pessoas famosas no mundo inteiro começaram como Wagner Moura e tantos outros que são conhecidos a nível nacional e esses atores poderão mostrar seu trabalho e a sua capacidade enquanto atores.

A apresentação que trás em seu elenco pessoas que já trabalham com tetro há certo tempo como é o caso de Renato Lima, 23, trás também Van Silva, 29, Geovana Albuquerque, 14, e Agda Sacramento, 71. Para eles poder contar a história de seu bairro é algo de muita importância, pois tem o papel de mostrar para a comunidade e fora delas lutas tidas por familiares e/ou conhecidos para permanecer na comunidade, dentre eles Agda que reside no bairro há trinta e dois anos e nesse tempo criou seus sete filhos na comunidade sem auxilio de pai que faleceu muito cedo deixando para ela a responsabilidade de criar seus filhos sem que seguissem o mau caminho.

Agda que interpreta uma lavadeira, uma policial é tocada pelo seu terceiro personagem que é a mãe por lembrar-se de sua luta para criar sete filhos no bairro, sendo duas mulheres e cinco homens, sem que esses tomassem um caminho errado e leva para sua personagem a esperança, a luta e a recordação em tudo que passou sem ter o que comer e botar seus sete filhos para estudar.

Fica o convite para assistir a peça Resistir para Existir que será apresentada no dia 08/12/2018 no espaço Avançar, Bairro da Paz, nos dia 09/12/2018 na Fundação Gregório de Mattos e no dia 10/12/2018 no Teatro SESI Rio Vermelho para possíveis parceiros da Santa Casa.

  Para o autor a sensação que fica é de orgulho ao ver que essas pessoas vão tendo um amor pelo bairro e criando um sentimento de patriotismo e começando a cuidar da comunidade. Ele considera Geovana Albuquerque, a caçula do grupo com 14 anos, uma das melhores atrizes do grupo.