OPINIÃO | O racismo segue eliminando e matando pretos e pretas no Brasil diariamente

Foto: Pedro Nelgri/ ANF

Poderia eu escrever um texto de pesar, lamentando pelas mortes das primas Emilly Victoria e Rebeca Beatriz, de 4 e 7 anos, em Duque de Caxias, Baixada Fluminense do Rio de Janeiro. Mas, seria mais uma lamentação, sabendo que, infelizmente, a qualquer momento pode ocorrer mais uma morte por bala perdida de crianças negras no Rio de Janeiro.

Ou então, lamentar a morte por espancamento de João Alberto, no supermercado Carrefour, em Porto Alegre, sabendo também que, infelizmente, não foi e nem será a última causada pelo racismo estrutural no Brasil. Então, preferi abordar aqui, as várias formas de eliminação dos negros, causadas pelo preconceito racial.

Neste exato momento, não sei se chamo de coincidência, como muitos gostam de chamar, ou, de banalidade do cotidiano do Rio de Janeiro. Pois, enquanto dou andamento no texto, assisto pela TV, no jornal da hora do almoço, a matéria que falava de mais dois jovens negros executados em uma abordagem policial muito mal sucedida.

Ou seja, mais dois negros, ainda na flor da idade, eliminados da sociedade de forma brutal. Mais duas famílias destruídas pelo racismo enraizado no solo brasileiro. Infelizmente, será mais um fato noticiado, que causa indignação e revolta em todos, e que cairá no esquecimento, como se fosse banal o assassinato de pretos e pretas, sejam eles adultos, adolescentes, ou crianças.

A única coincidência nesse texto, é que Edson Aguinez Júnior e Jordan Luiz Natividade, foram escolhidos pela polícia para serem a “bola da vez” no jogo de eliminação de negros, enquanto abordo mais uma vez o tema racismo. Os dois, foram as mais recentes vítimas de mais uma péssima abordagem policial, que quando não humilha, tortura e prende de forma arbitrária, assassina de forma cruel, sem dar chances de defesa aos abordados.

Como tantos outros que já citei em outras oportunidades, Edson e Jordan também estão sendo citados aqui, porque o preconceito racial não acabou com a morte de João Alberto, e nem das primas Emilly Victoria e Rebeca Beatriz. Sabemos também, que não acabou agora com o assassinato dos dois amigos.

Pela grande quantidade de mortes brutais de pretos e pretas, já podemos classificá-las como genocídio da população negra. Essa é a forma mais cruel de eliminação de uma população da sociedade, pois,  tira de vez as chances do cidadão negro e da cidadã negra de continuar lutando por seu espaço. Fazem isso, mesmo já os eliminando da maioria dos espaços sociais possíveis.

E quais seriam as outras formas de eliminação social negra, além do genocídio?

Renegacão da própria cor e fenótipos físicos

Quando os negros foram retirados da África e trazidos para o Brasil, foram obrigados a renegar a própria cultura, suas crenças religiosas e com o passar do tempo, o projeto de clareamento e branqueamento da raça humana foi tomando força. Muitos pretos e pretas foram ensinados a rejeitar a cor de sua pele e alguns começaram a usar métodos de clareamento da mesma, com o uso de maquiagens, por exemplo.

Passaram a alisar os cabelos com produtos químicos e pente de ferro quente, e a usar métodos de afinamento do nariz. Os pretos de tons de pele mais claras, foram ensinados a se auto declararem mulatos ou mulatas, pardos ou pardas. E muitos até os dias de hoje preferem ser identificados assim, ou de morenos ou morenas, por não se aceitarem como negros.

Marginalização da cultura preta

A cultura também foi algo que os brancos na época da colonização, ensinaram a rejeitar. Usar roupas muito coloridas, turbantes, muitos colares e brincos grandes ou argolas, eram sinônimos de mal gosto e marginalização. Festas e comemorações, em geral com batuques, eram totalmente proibidas, sendo feitas às escondidas nas senzalas ou nos fundos dos quintais e dos terreiros. Um dos maiores exemplos desta proibição, foi a perseguição ao samba, que hoje, é um dos maiores símbolos culturais brasileiro.

O samba era tão marginalizado, que quem fosse pego cantarolando ou com alguma composição escrita em um papel guardado no bolso, poderia ser preso. Gerava batidas policiais nas periferias da cidade para acabar com as rodas de samba que aconteciam nas casas das chamadas “tias”. A mais famosa delas, Tia Ciata, teve sua casa invadida diversas vezes pela polícia por causa das rodas de samba que lá aconteciam e eram bastante conhecidas pelos sambistas.

O samba não sofre mais perseguição e se tornou uma das nossas maiores marcas registradas por todo o mundo. Não se fala do Brasil lá fora, na maioria das vezes, sem falar do samba. A perseguição hoje é sofrida pelo funk, que já chegou ao Brasil sendo perseguido no seu país de origem, os Estados Unidos da América.

O ritmo surgiu nos guetos norte-americanos, pelos meados da década de 1960 e sofria constantes repressões policiais. Quando veio para cá, por volta da década de 1970, trazido por alguns artistas negros brasileiros que foram para os EUA, consolidou-se no asfalto das periferias do país, em especial, as do Rio de Janeiro. Logo após tantas perseguições, migrou-se para as favelas, fixando-se e tornando-se muito popular entre os moradores mais jovens.

Até hoje o funk gera muita polêmica e controvérsias. Há aqueles que dizem que o ritmo é coisa de marginal e vagabundo, não tendo nada de cultural. Por outro lado, há os que o defende, dizendo que além de ser uma cultura popular, também gera emprego para muitos dentro da favela, de onde muitos chefes de família tiram seu sustento com a realização dos bailes. E dentro dessa discussão, muitos negros e negras preferem renegar mais esse gênero cultural, concordando com os brancos que marginalizam o funk, e também o samba.

Não quero dizer que por ser negro ou negra, deva gostar de funk e de samba, e nem tampouco saber sambar ou saber dancinhas ou passinhos, mas, sim reconhecê-los como parte da nossa cultura negra. Renegá-los é reforçar a perseguição da nossa arte. É não deixar o projeto de colonização se extinguir por completo no Brasil.

Religião

Sequestrados do continente africano e trazidos forçados para o Brasil, os negros foram obrigados a renegar suas crenças. Chamadas de diabólicas pelos colonizadores portugueses e pela Igreja Católica, afirmavam que o culto aos Orixás eram verdadeiros cultos ao diabo. Nada diferente do que vemos hoje muitas Igrejas Evangélicas fazerem.

Com isso, os africanos passaram a associar seus deuses a santos católicos para poder cultuar de forma discreta suas crenças dentro das senzalas e nos terreiros. E assim surgiu o Candomblé no Brasil, que significa casa que abrigam os Orixás, pois a senzala era o abrigo dos mesmos, que foram retirados das florestas e savanas africanas e amontoados em barracões escuros, tendo que resistir a todo tipo de maus tratos e intempéries.

Com a persistência da Igreja Católica em catequizar os negros, alguns passaram a rejeitar o culto aos Orixás e aceitarem a evangelização. E o que vemos hoje, por conta dessa tentativa de eliminação das crenças regiosas africanas, são Igrejas Evangélicas lotadas de maioria de pessoas negras, que antes, frequentavam a Igreja Católica. Negros e negras que demonizam o Candomblé e a Umbanda.

Mas, hoje não vemos só igrejas com maioria de fiéis negros, vemos também, muitos terreiros sendo regidos e compostos por pessoas brancas em sua maioria. E não que os brancos não possam frequentar ou serem adeptos das duas religiões, até porque, as mesmas abraçam todos igualmente, sem distinção de cor, gênero, classe social e etnia.

O questionamento é: cadê os negros de alguns terreiros? Então, quando abrimos as portas das igrejas, lá vemos todos eles, cultuando as religiões dos colonizadores, pois, foram ensinados que a sua é do demônio, é um culto ao diabo. Muitos compraram essa ideia e hoje tentam destruir terreiros, apedrejando candomblecistas e umbandistas, com o intuito de livrar o mundo de um mal que foi inventado pelos brancos europeus. Uma das formas também de eliminação criadas por ele, colocando negros contra negros, enquanto eles expandem suas empresas religiosas pelo país.

Guerra às drogas e a eliminação do povo preto

A chamada guerra às drogas é a mais cruel das eliminações do povo preto. Ela mata por dia dezenas de negros e negras, envolvidos, ou não, como vemos nos noticiários. Também encarcera milhares de homens e mulheres, que sabe-se lá por quais motivos, vêem no tráfico de drogas uma forma de sobrevivência, acabando encarcerados, ou melhor dizendo, amontoados, enjaulados como animais selvagens. São os excluídos dos já excluídos.

E todos estes são eliminados da nossa famigerada sociedade, por outros homens e mulheres negras, que, nos dias de hoje, fazem o papel dos capitães do mato, capturando ou matando outros negros para defenderem os senhorzinhos, as sinhazinhas e a casa grande em geral.

Como já falei em outras oportunidades, não existe guerra às drogas, mas sim, extermínio e genocídio da população negra. Os brancos criaram os males para oferecerem soluções ineficazes e assim se manterem no poder com a desculpa de que estão defendendo o povo. E defendendo de quem? Essa resposta todos nós sabemos, pois a mídia nos informa todos dias sobre os inúmeros casos de balas perdidas ou operações policiais com negros mortos de ambos os lados. Eles criaram uma guerra, onde maioria é de gente preta que luta, vai preso e morre defendendo o que não lhes pertence.

Não, dessa vez não tive como escrever um texto de pesar e de lamentação pelas últimas mortes de pessoas negras, pois as eliminações são muitas até chegar a pior delas, que é a letalidade. Os negros são tirados ou impedidos de ocuparem diversos lugares, como por exemplo, as universidades, onde ainda são minoria, mesmo como políticas sociais afirmativas.

Os negros são eliminados ou sofrem tentativas de eliminação diariamente de posições de destaque e causam um verdadeiro incômodo quando as ocupam. Todos os dias são registradas diversas denúncias de negros famosos que sofreram racismo pessoalmente ou nas redes sociais. O que só reforça o quanto muitos brancos estão incomodados com as ascensões dos pretos.

O racismo não dá trégua, e os racistas não dão trégua no Brasil por ser um projeto estrutural. A luta é incessante, pois esta semente que foi bem plantada e cultivada em solo brasileiro pelos brancos, criou raízes profundas e, é preciso força negra máxima para arrancá-las. Para que, só assim, não tenhamos mais que escrever textos de pesar e lamentação, nos solidarizando com mais famílias pretas.

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Carla Regina
Sou estudante do último período da faculdade de Jornalismo, gosto muito de ler e de escrever. Me acho simpática, pelo menos é o que me dizem as pessoas quando me conhecem, mas creio que eu seja sim, pois adoro fazer novas amizades e conservar as antigas. Comunicativa, dinâmica e muito observadora, um tanto polêmica. Gosto muito de trabalhar em equipe, mas, dependendo da situação, a minha companhia para trabalhar também é ótima. Pois, na minha opinião, a solidão aguça a criatividade, fazendo com que a mente e os pensamentos fluam um pouco melhor. Comecei a trabalhar muito nova, ainda quando criança e já fiz muita coisa na vida, mas meu sonho sempre foi ser Jornalista e Historiadora, cheguei a ter muitas dúvidas de qual faculdade cursar primeiro, já que para mim as duas carreiras são maravilhosas. Então, resolvi entrar primeiro para o Jornalismo e no decorrer do curso percebi que cursar a faculdade de História não era só uma paixão, mas também uma necessidade para linha de jornalismo que que pretendo seguir. Como sou muito observadora e curiosa, as duas profissões têm muito a ver com minha pessoa. Amo escrever e de saber como tudo no mundo começou, até porque. tudo e todos tem um passado, tem uma história para ser contada.