ONU desenvolve projeto contra a pandemia nas grotas de Maceió

Grota das Piabas - Jacintinho (Foto: Márcio Ferreira)
Grota das Piabas - Jacintinho - Foto Márcio Ferreira

O Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) selecionou nove jovens residentes nas Grotas do Arroz, Piabas, Ary, Rafael, Santa Helena, Boa Esperança, José Laranjeiras e Vale do Reginaldo, em Maceió, para auxiliar suas comunidades no sentido de conscientizar e difundir informações sobre a pandemia do novo coronavírus.

A ação integra o projeto “Covid-19: Monitoramento e Resposta Rápida Baseada em Evidência em Assentamentos Informais de Maceió & Intercâmbio de Conhecimento com o Rio de Janeiro e África Lusófona” e tem dois componentes: a produção de dados junto a líderes comunitários e à população de 100 grotas de Maceió por meio de pesquisa telefônica; e comunicação e engajamento comunitário com a participação do grupo selecionado.

Para a mobilização foi criada uma estratégia baseada na dinâmica de um jogo chamado “Visão das Grotas: jovens contra a Covid-19”, que está dividido em quatro fases, tendo como produto final um documentário sobre os impactos da Covid, as potencialidades urbanas e as capacidades sociais e econômicas dos espaços comunitários envolvidos.

Das esquerda para a direita: Josias Brito, Tauan Santos, Maysa Reis, Letícia Vitória, Rafaela Oliveira, Mary Alves, Ewelyn Lourenço, Walisson Fidelis e Agnes Vitória
Da esquerda para a direita: Josias Brito, Tauan Santos, Maysa Reis, Letícia Vitória, Rafaela Oliveira, Mary Alves, Ewelyn Lourenço, Walisson Fidelis e Agnes Vitória- Crédito: Divulgação

Em meio aos empecilhos impostos pela pandemia, a execução do projeto está priorizando, antes de tudo, a saúde dos participantes. De acordo com a analista de programas do escritório da ONU-Habitat em Alagoas Paula Zacarias, para manter a segurança sanitária de todos, o Visão nas Grotas é 100% realizado on-line, o que, inclusive, fez com que só fossem selecionados moradores com acesso a celular/computador e internet para a utilização das plataformas de reuniões.

Apenas moradores com acesso a internet foram selecionados para o projeto- Crédito: Géssika Costa/ANF

“Outra questão também é o curto espaço de tempo para seleção, considerando a duração do projeto, três meses, submetido ao Fundo Emergencial do ONU-Habitat. No entanto, essas dificuldades iniciais foram superadas e a sua implementação vem ocorrendo com êxito”, destaca Paula Zacarias. A representante das Nações Unidas destaca ainda o aspecto de representatividade como fundamental para a execução da iniciativa.

Paula ainda lembra a importância das conteúdos coletados e como serão utilizados para municiar a sociedade sobre a realidade dos moradores das grotas. “Ao final desse período, teremos não só informações e dados qualificados sobre a pandemia nas grotas, como também as vivências, histórias e percepções dos moradores contadas pelas imagens, vozes e vídeos”, reitera Zacarias.

Uma dessas jovens é Maysa Reis, 28, pesquisadora e realizadora audiovisual, moradora da Comunidade Piabas, no Jacintinho. “A troca com todos tem sido uma experiência incrível. A proposta de entrevistar minha comunidade é uma coisa que já queria fazer e o programa Visão (das Grotas) me deu essa oportunidade”, enfatiza.

Maysa Reis integra o Visão das Grotas
Maysa Reis integra o Visão das Grotas- Crédito: Arquivo pessoal

A jovem acrescenta que as pessoas que entrevistou tiveram casos de Covid em casa, incluindo ela e a mãe, infectadas no começo da pandemia. “Então, tem sido uma experiência de escutar essas vivências e as questões de como o coronavírus impactou as comunidades e até mesmo as pessoas com a mudança dos planos para o ano e tudo mais”. Para ela, é importante falar sobre um audiovisual realizado por pessoas periféricas já que esse tipo de iniciativa é escassa no cinema realizado no estado.

“O projeto possibilita uma experiência massa e meio inédita para essa galera e pode trazê-la a uma nova ferramenta de comunicação e de trabalho. É algo que particularmente acredito muito no cinema periférico, feito com o celular, onde o importante é o conteúdo, a narrativa. As periferias são ricas de histórias e personagens maravilhosos, além de muita gente talentosa e criativa. Então, tem duas coisas juntas na qual eu acredito muito, cinema e periferia”, pontua Maya Reis.

Dyego Duarte, comunicador social da ONU
Dyego Duarte, comunicador social da ONU – Crédito: Arquivo pessoal

Quem também comenta a experiência sobre o Visão nas Grotas é o comunicador social da equipe da ONU Dyego Duarte, 28, cria da Zona Sul de Maceió. Na iniciativa, ele contribui nas produções audiovisuais e na elaboração do documentário, produto final da proposta.

“Integro outros projetos nas periferias e este é ainda mais essencial, uma vez que estamos passando por uma crise de saúde grave, onde a informação sobre o vírus e a comunicação se tornam instrumentos eficazes para ajudar as pessoas a passar por essa pandemia da melhor forma possível. Eu, como comunicador, sou muito grato por estar trabalhando com potências que fazem a diferença – por meio do olhar crítico, apurado, transformador e, sobretudo, humanizado”, pontuou Duarte, que é formado em Publicidade e Propaganda.

Eita, que vírus é esse?

O grupo selecionado iniciou na primeira semana deste mês a 1ª Oficina de Comunicação Popular, intitulada “Eita, que vírus é esse?”. Essa etapa se soma às pré-oficinas de integração e apresentação entre os representantes do ONU-Habitat, a equipe de apoio contratada pelas Nações Unidas – formada por um mobilizador social, comunicador e tutores – e  as informações referentes à atuação da Organização nos últimos três anos em Alagoas.

Para acompanhar todo o processo desenvolvido pelo grupo na criação de conteúdos de comunicação voltados para os moradores de grotas e favelas, além do intercâmbio de ideias e conteúdos por meio da realização de oficinas na modalidade on-line, basta seguir o perfil @visaodasgrotas no instagram.

Possibilidade de expansão

Questionada sobre a expectativa da ONU-Habitat trabalhar não só em grotas, mas em outras comunidades periféricas de Maceió — exemplo das favelas que margeiam a Lagoa Mundaú, parte baixa da capital alagoana —  a analista de Programas do escritório da ONU-Habitat em Alagoas, Paula Zacarias, disse que, atualmente, a Organização está implementando o Projeto Emergencial de Monitoramento da Covid-19 em Maceió e finalizando a primeira fase do seu projeto principal no estado “Prosperidade Urbana Sustentável e Inclusiva no Estado de Alagoas: Uma Iniciativa Integrada”.

A iniciativa está sendo desenvolvida em cooperação técnica com o Governo de Alagoas nos últimos três anos e com reconhecimento internacional. Só para se ter uma ideia, ela foi apresentada no Fórum Urbano Mundial, em Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes, ocorrido em fevereiro .

“Esta primeira fase contemplou os assentamentos precários localizados nas grotas de Maceió, mas possivelmente, na segunda fase que se iniciará ainda este ano, outras áreas da cidade também serão contempladas”, concluiu.

*Grota é o termo popularmente utilizado em Maceió para as favelas localizadas nas formações geográficas características da geomorfologia da cidade. As grotas de Maceió são ravinas ou vales sinuosos que cortam todo o território das cotas mais altas do município – o chamado “tabuleiro” – e que funcionam como calhas naturais de escoamento de águas pluviais que caem nessa região e seguem para a planície litorânea e lagunar localizadas nas cotas mais baixas da cidade. Por terem esse papel ambiental fundamental, constituem-se como territórios sensíveis e estratégicos para a cidade. Fonte:  Cidades Inteligentes, Humanas e Sustentáveis – 2020.

Esta matéria foi produzida com apoio do Fundo de Auxílio Emergencial ao Jornalismo do Google News Initiative: https://newsinitiative.withgoogle.com/intl/pt_br/journalism-emergency-relief-fund/