O rei está nu

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A adulteração de fotografias para efeitos políticos é tão antiga quanto a própria fotografia, imagino; portanto, não há nada de original nos memes e nas falsificações como a da recente divulgação de um pseudo encontro em que Jair Bolsonaro aparece sentado e diversos lideres mundiais estão ao redor. É foto fake na qual a cabeça dele foi posta no lugar da cabeça de Donald Trump, numa montagem até grosseira, se prestarmos atenção à parte de trás do colarinho e a sobra do topete louro do gringo no alto da testa do brasileiro. Isso sem falar no conselheiro John Bolton e seu bigode branco e na bandeira americana que Trump usa sempre cono bottom no seu paletó. Aliás, a foto foi feita na reunião do G-7, no ano passado, não tem a ver com o G-20 em Osaka. Mesmo assim, sabendo que boa parte dos seus seguidores não acreditam em verdades; antes cultivam mentiras o tempo inteiro, o núcleo bolsonarista nas redes sociais forjou a foto e transformou o papai em centro das atenções mundiais.

 

Ainda na década de 1970, um anúncio impresso da Superintendência de Desenvolvimento da Pesca, a SUDEPE, mostrava foto de inúmero pesqueiros numa baía nordestina para justificar a verba gasta naquela região. Logo que veiculada, a propaganda oficial foi desmentida por um simples exame da fotografia que, na realidade, expunha o conjunto de seis ou sete barcos reproduzidos várias vezes na mesma arte. Era a ditadura militar e quase tudo era possível, mas a montagem primária virou alvo de deboche e a imprensa se divertiu com ela, porque a censura prévia vigente à época não incluía anúncio do governo, então a mentira estava escancarada por ele próprio, como na fraude da foto o “suicídio” do jornalista Vladimir Herzog enforcado com os joelhos dobrados na cela do Doi-Codi paulistano. A fraude, mais uma vez, não se impôs.

Uma das mais antigas e notáveis deturpações fotográficas é atribuída a Josef Stalin, o poderoso responsável não apenas pelo exílio de Trotsky no México, mas também pelo seu assassinato com uma picareta na cabeça naquele país. Consta que o próprio Stalin mandou apagar a imagem de seu desafeto em pelo menos uma foto histórica de líderes revolucionários, como se pode ver aqui:

À esquerda e à direita os recursos para reescrever a história sempre estão disponíveis, enchendo a bola dos mandões e tirando de cena figuras incômodas. Nos textos isso funciona, mas com imagens a fraude toma ares de verdade, como nas fotos falsas de ontem e de hoje. Milhares de seguidores das redes sociais da “famiglia” no poder creem piamente nas mentiras postadas em fotos e vídeos como o lamentável “golden shower”, ou a manifestante idosa que Bolsonaro usou para angariar simpatia em manifestação recente, mas que infelizmente morreu no ano passado. As fake news, “verdades alternativas”, são difundidas num meio predisposto a aceitá-las sem critério algum, cego, bovino, babando ódio pelo que signifique avanço e conquista, sobretudo o pouco que foi conseguido nos anos recentes, de governos petistas.

Mas de que adianta todo o esforço de mistificação e mentira? A que serve? A quem interessa? Bem, é claro que aos filhos do Bolsonaro e a ele próprio, com certeza. Porém, como na ditadura, quando a censura proibiu noticiar o surto de meningite no Rio de Janeiro, o resultado é terrível: a doença não parou de se espalhar por causa da censura à imprensa, muita gente morreu, muitas crianças, por falta de cuidados preventivos ou socorro a tempo, ou seja, por ignorância pura e simples. A realidade se impõe sempre à ficção que se pretende criar. Tudo não passa de um processo de auto-engano, em que o sujeito engana a si mesmo antes de a qualquer outra pessoa. A mentira é o seu castelo de areia, que fatalmente desabará ao vendaval do tempo. Assim com Bolsonaro, com os meninos, com a claque que aplaude e incentiva sem base alguma na realidade. Assim está sendo, neste exato momento, com o ministro Sérgio Moro, que, limitado, de poucas luzes e letras, nega de pés juntos e mãos postas sua verdade exposta na imprensa livre. É a mais alta personalidade do governo a definhar em praça pública, até agora. Não será a última. A quem Moro engana, senão a si próprio, diante do espelho? A cada dia está mais evidente a nudez do rei da fábula antiga.