O governo calou o cavaquinho

Menino negro e sua "arminha" símbolo do ódio bolsonarista Créditos - Reprodução

Não me diga que a execução de Evaldo Manduca, que tocava cavaquinho no grupo Remelexo da Cor, não tem nada a ver com o governo Bolsonaro, a disseminação do ódio e a escalada da violência do estado contra a sociedade. Não argumente que soldados do exército são meninos mal formados, vestidos e armados por quem deveria dar-lhes noções elementares de cidadania, mas lhes ensina que o inimigo está à espreita em cada esquina e é preciso matá-lo para garantir a segurança que nos custa a liberdade. Principalmente, nem tente me convencer da necessidade de oitenta tiros num alvo, qualquer alvo, para revidar suposta e suspeita ameaça. O exército incapaz de sustentar um combate por duas horas seguidas contra a Venezuela esbanja munição na tarde dominical carioca só para mostrar poderio sobre a população civil preta e pobre do subúrbio.

Por favor, não venha me dizer que foi um engano lamentável porque não foi. Crimes premeditados não acontecem por acaso, sobretudo quando cometidos pelo estado que detém o monopólio da força, ou detinha até as milícias se espalharem. O assassinato de Evaldo Manduca pode ser entendido como resposta ao flagrante de venda de um fuzil adquirido para “acertar a cabecinha” de suspeitos no mais das vezes armados de guarda-chuvas e furadeiras. Resposta enviesada, autêntico tiro no pé, com o perdão da expressão, porque traz à superfície o despreparo moral e intelectual da tropa que ultraja a farda ao agir com a violência miliciana clandestina e ilegal. E esse ultraje é assumido pelo exército na nota inicial em que justificou o ataque como revide e na posterior, admitindo o “erro”.

Não me diga que mais este episódio não tem nada a ver com o racismo que alguém, se não me engano um intelectual africano, classificou de “crime perfeito no Brasil”, pois tem sempre uma justificativa, explicação, consideração para inocentar os criminosos. Enquanto não retirarem o véu que esconde os verdadeiros assassinos de Marielle e Anderson não me falem de segurança e de justiça. Sobretudo, não neguem o vínculo óbvio entre “arminhas” com as mãos e fuzis assassinos de cidadãos inocentes. A cultura do ódio é o chão por onde desfila a injustiça que reina em todos os níveis e a consequente impunidade dos grandes bandidos, os ladrões do país, responsáveis pela volta das altas taxas de mortalidade infantil, pelo aumento da pobreza e da miséria e pela letargia na qual a sociedade está mergulhada.