O acolhimento compulsório e a criminalização das mães pobres

Mesmo sendo minoria em situação de rua, mulheres são as que mais sofrem violência - Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

“Agora que levaram suas crianças de você, vê se toma jeito e vira mãe de verdade!”. Com essas palavras, Júlia foi recebida pela Defensoria Pública na tentativa de recuperar seus filhos, recolhidos pelo conselho tutelar.

Quando conheci a Júlia, ela tinha 24 anos, mãe de duas crianças e dependente química, por isso seus filhos tinham sido recolhidos. Ela contava aos prantos, sem saber o que fazer e para aonde tinham levado seus filhos. Com apenas a quinta série, sem telefone fixo e morando em uma ocupação na região metropolitana de Curitiba, ela temia nunca mais ver seus meninos. Na época, o pai das crianças tinha abandonado a família há três anos. Júlia nunca conheceu o próprio pai, sua mãe mora no interior de Santa de Catarina e já não tem contato com filha há mais de cinco anos.

Fomos a um Centro de Atenção Psicossocial (Caps), lá encontramos Clara Oliveira, assistente social do CAPSII – Colombo, que encontrou o abrigo em que as crianças estavam e encaminhou Júlia para um fórum para retomar a guarda dos filhos.

Todos os domingos Júlia atravessava a cidade de chinelos e um saco de doces para os meninos que, segundo ela, era para que lembrassem de seu amor, que eles são merecedores de doces, carinho e, acima de tudo, que são uma família. Ela fazia um sacrifício enorme, abrindo mão de várias passagens de ônibus e almoços para conseguir os doces dos filhos, mas parecia não se importar e ia aos poucos recuperando a certeza que tinha direitos.

Recuperou os filhos em três meses. Dois anos se passaram Júlia nunca mais teve recaídas, trabalhava na limpeza de um mercado da cidade, recebia alguns auxílios do governo e ajudas dos vizinhos.

Em novembro de 2019, houve uma desapropriação na ocupação Jardim Monza, onde Júlia morava há seis anos, derrubaram sua casa com retroescavadeira, não sobrou nada e Júlia foi demitida por faltar oito dias ao trabalho.

A família não aguentou, o filho mais velho, agora com 14 anos, acabou caindo no uso de drogas e levado para o acolhimento em março deste ano e, por causa da pandemia, não recebe visitas desde então. Na vista e verificação da situação da família, o menino mais novo também foi retirado e Júlia encaminhada para uma “acompanhamento em rede”.

Sem seus filhos, sem sua casa, sem emprego e sendo jogada de casa de amigo para casa de amigo, Júlia recaiu às drogas. Os relatórios do processo chegaram cheio de ponderações: “Júlia teve sua chance, recaiu de novo, ainda dá pra salvar essas crianças”. Mas ninguém perguntava onde e como estava aquela mulher ou se quer como estavam as crianças

Faz seis meses que essa história aconteceu, mas ela também aconteceu ontem e está acontecendo hoje em qualquer favela ou com qualquer mulher de rua por todo o Brasil e nós precisamos falar sobre isso.

Segundo o Ministério da Saúde, as mulheres em situação de rua foram as principais vítimas de agressões contra esse grupo: 50,8% dos 17.386 registros de violência na população de rua de 2015 a 2017 foram contra elas.