Não dá pra falar sobre saúde mental nas favelas sem pensar no tempo que vivemos

saúde mental
Crédito: Nice Lira com base em arquivos pessoais

A pandemia trouxe além de tristeza para os familiares dos mais de 600 mil mortos pela covid-19, somente no Brasil, uma perspectiva para enxergar a sociedade que vivemos hoje. Saúde mental se torna um tema indispensável, pois é comum ser confundido com “doença mental”.

Dentro da Fiocruz, em Manguinhos, existem projetos, debates e pesquisas desenvolvidas a respeito do tema, afirma a professora Nina Soalheiro pesquisadora da EPSJV/ Fiocruz, coordenadora do grupo de pesquisa “Desinstitucionalização, Políticas Públicas e Cuidado”.

Nina aponta a violência sofrida pelos moradores das favelas, principalmente negros e mulheres, como um dos fatores principais para causar danos a mente:

– Quando se pensa em violência como o grande fator associado aos processos de adoecimento das populações, não podemos deixar de pensar que  a violação do corpo e dos direitos sofrida por um pardo, não é a mesma sofrida por um negro. A cor é central, seguida pelos fatores gênero e classe. O impacto da violência sobre a saúde mental das populações de periferias é imenso e é importante reforçar que é imposto pelas condições sociais de marginalização e criminalização da pobreza. Por não ressaltamos isso, alimentamos o racismo e outras formas de estigma. A falta de acesso à políticas públicas, como a Educação, Lazer, Cultura, Saúde e Saúde Mental, relacionada a questões de gênero e feminicídio, ou seja, todas as violências contra a mulher dentro de uma sociedade machista; e sobretudo o regime de coerção e extermínio do Estado que incide principalmente sobre corpos negros.

Junto com Amanda Linhares Leal, também pesquisadora do Grupo, a professora Nina acredita que a Fiocruz tem se aproximado cada vez mais da população mais vulnerável, apesar do longo caminho a seguir:

– O modelo atual de compreensão da saúde mental como campo, fala em ansiedade, depressão e quadros de estresse pós-traumáticos diante do cotidiano violento, como um jeito de nomear algumas formas sob as quais o sofrimento se apresenta. Mas nós entendemos que os efeitos terríveis da violência não podem ser compreendidos  no âmbito das doenças, é um fenômeno social que tem que ser compreendido como tal. Temos que pensar a saúde mental nas favelas a partir da realidade social e das condições de vida. Há muitas formas de pensar esse desafio, mas todas elas com uma condição: “Nada sobre nós sem nós!”.

É preciso um longo debate, tanto com as organizações que representam as populações, quanto com cada situação local. Sabemos que as “favelas” na verdade são complexas, cada local configurando problemas diferentes e a saúde mental tem que ser pensada a partir desses territórios de vida. A sua cultura, sua identidade, suas condições de moradia, urbanização, saneamento básico.

A saúde mental está diretamente relacionada com as características e o tipo de sofrimento coletivo de determinado lugar. A partir da produção social do sofrimento, é possível pensar o apoio e os tratamentos possíveis aos indivíduos que se fragilizam nesse contexto. É importante pensar junto as organizações, redes de apoio e projetos culturais que tornam a favela um lugar próprio, com suas redes de solidariedades, arranjos comunitários e projetos de defesa da vida.

A saúde e a saúde mental devem ser pensadas junto com a população local, é preciso enfrentar os problemas locais e só então construir projetos, instituições e redes de apoio. E principalmente combater a medicalização da violência, dos problemas sociais, transformando-os em problemas médicos e psicológicos. Estes existem e precisam ser tratados, mas não com o abuso de medicamentos e negação das suas verdadeiras causas. A saúde mental é um resultado de condições de vida, história pessoal, traumas que têm que ser tratados pela raiz numa dimensão social e também do individuo quando esse se fragiliza e precisa de apoio para criar novas esperanças, projetos pessoais, lugares de pertencimento e de viver a vida.

As especialistas atribuem o momento que vivemos como o maior desafio para introduzir o tema nas favelas: “Não dá para falar sobre saúde mental nas favelas sem pensar nos tempos em que vivemos, a volta da fome, a desigualdade estrutural, a violência estatal presente nas políticas de Segurança Pública dirigidas à favela como lugar construído na nossa sociedade.”, Concluem.

Você já leu a matéria sobre o baile funk como símbolo da favela? Clique aqui para ler.

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