Juliana Kaiser fala sobre a Erradicação da pobreza no Brasil

Erradicação da pobreza
Crédito: Divulgação

No ano de 2015 a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 17 (ODS 17). Nele existem 17 metas a serem cumpridas até 2030 e a Erradicação da pobreza é uma dessas metas.

ODS 17 refere-se à necessidade de colaboração intersetorial entre países na busca de todas as metas até o ano de 2030. A divisão acontece em cinco categorias: finanças, tecnologia, capacitação, comércio e questões sistêmicas.

Hoje, dia 17 de outubro, é comemorado o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, mas sabemos que é preciso muita luta e trabalho para que essa meta seja concluída, não só no Brasil, como no mundo.

História do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza

Em 1987, na França, as pessoas se reuniram na Praça dos Direitos Humanos e Liberdades em Trocadéro para homenagear as vítimas da pobreza, fome, violência e medo na inauguração de uma pedra comemorativa do Padre Joseph Wresinski.

O Padre é o fundador do Movimento Internacional ATD (Ação de Todos pela Dignidade) Quarto Mundo e faleceu em fevereiro de 1988. No ano de 1992, quatro anos após a morte dele, a ONU estabeleceu oficialmente 17 de outubro como o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza.

Eu conversei com Juliana Kaiser, professora de Responsabilidade Social e Diversidade, especialista em ESG, para entender se é possível alcançar essa meta, o que é preciso para que essa meta seja alcançada e como a pobreza afeta pessoas negras. Confira.

Entrevista com Juliana Kaiser

Erradicação da pobreza
Juliana Kaiser – Crédito: Divulgação

Nice: Hoje é o dia Internacional de Erradicação da Pobreza. O que você pode nos dizer sobre a situação financeira de pessoas negras nessa pandemia? Tendo em vista o número de desempregados no Brasil.

Juliana: Olhando para os projetos sociais nos quais eu venho trabalhando nos últimos dois anos, desde que a pandemia começou, os projetos sociais online não estão atendendo a extrema vulnerabilidade. Quando as crianças abrem as câmeras, a gente não vê aqueles ambientes típicos da extrema vulnerabilidade brasileira, o que inclui residências brasileiras que são de madeira, ou que não tem revestimento. Aí olhamos para a residência e para a cor da pele daquela criança ou daquele jovem, e a gente entende que não está falando da população negra.

A gente tem um desafio gigantesco no Brasil. De acordo com os dados do IBGE de 2019, estamos saindo de 17,4 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza e as projeções são muito ruins. Devemos chegar até 30 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza no final de 2021. Dessa população 90% é preta ou parda. Existe um trabalho gigantesco para ser feito nesse sentido.

Tem um aspecto importante a considerar, que os jovens em vários estados do Brasil durante a pandemia, em escolas públicas, abandonaram a escola. O modelo online não funciona na extrema vulnerabilidade, por que a gente fala de famílias que em sua maioria têm mães solo, diaristas ou empregadas domésticas, precisam sair para trabalhar, e possuem um único celular, dessa forma o jovem ou a criança não tem acesso à internet, e quando tem, o pacote de dados não comporta a quantidade de aulas.

Esse é um sistema que é feito para excluir. Então, quando a gente tem um Governo Federal que não disponibiliza internet gratuita para os mais vulneráveis, a gente fala também de uma exclusão que é racial e que só vem a piorar no país.

O desafio é entender como que a gente, junto com o segundo setor e com as empresas, vamos abraçar essa responsabilidade de resgatar esses jovens que evadiram da escola pública durante a pandemia e propor um ensino de qualidade, para que a gente não tenha nos próximos anos, um abismo ainda maior entre brancos e negros no mercado de trabalho. Infelizmente, a perspectiva para os próximos anos no Brasil, é que a gente tenha um atraso no desenvolvimento econômico de cerca de doze anos e quem vai ficar para trás, mais uma vez, é a população negra.

Nice: Você acredita que é possível erradicar a pobreza até o ano de 2030?

Juliana: Eu acho que erradicar a pobreza no Brasil até 2030 é algo que não vai acontecer efetivamente, pois a gente tem um trabalho muito anterior para fazer.

O ciclo de pobreza no Brasil tem uma relação direta com o índice de letramento e o tempo de permanência na escola, então, quanto maior o índice de permanência escolar, menor o indicador de pobreza.

Precisamos ter um estado forte, que tem políticas assistenciais importantes para deixar esse jovem de 12, 13 ou 14 anos confortável, para que ele possa estudar até o fim dos estudos, sem precisar se preocupar em como a família vai comer no dia seguinte.

Toda a perspectiva de segurança alimentar, faz com que o jovem acabe entrando no mercado de trabalho muito cedo, em empregos absolutamente precarizados, com o tempo de deslocamento até o trabalho, exaustivos, que em sua maioria, não são favoráveis. Isso faz com que esse jovem acabe abandonando a escola.

Por outro lado, precisamos falar de escolas que recebem pouco investimento na ponta, de professores que também estão exaustos, pois existe um sistema perverso, em que professores precisam trabalhar em mais de duas escolas. Esse sistema é o alicerce da economia brasileira, enfim, a mão de obra no Brasil é muito barata.

Todo esse sistema do ciclo de pobreza, mantém um sistema muito maior, no qual está estruturado o racismo no Brasil. É o que chamamos de racismo estrutural.

As pessoas pobres pagam as maiores taxas de juros, não possuem limite suficiente no banco para conseguir bons empréstimos, não conseguem financiar a casa própria, e quando conseguem é com juros extorsivos. Então, tudo que é relativo ao ciclo de pobreza no Brasil, a gente consegue olhar para as famílias e perceber que esse ciclo acaba se repetindo por duas, três e até quatro gerações.

Isso ainda é herança de um sistema de escravidão. De uma escravidão onde não teve nenhuma política pública de suporte para essa população anteriormente escravizada. As pessoas foram “libertas” e ficaram à margem da sociedade. Saíram das senzalas e foram para as favelas, periferias e para os bolsões de pobreza.

Nice: O que podemos fazer para mudar essa realidade?

Juliana: O ponto de partida é realizar um grande movimento das empresas no Brasil, empenhadas na causa *ESG (Environmental, Social and Governance), para que a gente faça projetos, não só para aliviar emergências, como a questão da COVID-19, mas que sejam feitos projetos de formação e para educação de jovens.

Se cada uma das quinhentas maiores empresas do Brasil se comprometerem em formar 10 mil jovens, já teremos uma possibilidade grande de rompermos com esse ciclo de pobreza. A responsabilidade está com o Governo Federal, em criar políticas de assistência, mas também está com as empresas, e é nessa mudança de mentalidade que eu acredito.

*Tradução de ESG = Ambiental, Social e Governança (conceito empresarial com foco em cuidar do meio ambiente, ter responsabilidade social e adotar melhores práticas de governança).

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