Golpe bolsonarista repete os mesmos ritos do passado

O ex-presidente Jair Bolsonaro e seu ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, na Câmara dos Deputados, em 15 de julho de 2019 - Foto Marcelo Camargo/ Agência Brasil.

O momento brasileiro atual é o mais rico desde a proclamação da república, lá se vão 134 anos, se não me falha a memória. Há um embate entre duas vocações políticas opostas, a democrática, livre e aberta, e a autoritária, fechada e ditatorial que de vez em quando impõe os estragos previstos e anunciados de sempre. A última vez foi o período de 1964 a 1985, ainda recente em termos históricos e por esta razão não apagado da memória dos sobreviventes daquele período a que se chama “anos de chumbo”.

Pessoas que estiveram lado a lado com os ditadores, torturadores e assassinos querem repetir aquela quadra maldita, sendo a mais proeminente delas o general Augusto Heleno, antigo  Ajudante de Ordens do ministro da Guerra Sylvio Frota, general líder da ala mais radical da ditadura entre os militares, que conspirou para depor o general Ernesto Geisel da presidência porque pusera em marcha a “abertura lenta, gradual e segura” para devolver o país à institucionalidade democrática. E Geisel, “O Alemão”, é lembrado como mais duro do período – imagine  Frota e seu pupilo Augusto Heleno.

Pois é exatamente ele quem está por trás do golpe bolsonarista em andamento, cujo primeiro ato espetacular foi a fuga do ex-presidente para os Estados Unidos dez dias antes de seus seguidores acampados às portas dos quartéis invadirem as sedes dos três poderes da república simultaneamente, em conformidade com o aparato policial e militar da capital. Um verdadeiro circo dos horrores se desenrolou diante de olhos e lentes da mídia e que rodou o mundo à velocidade da informação contemporânea.

O propósito dos golpistas foi atingido em cheio, as atenções foram capturadas e a mensagem de barbárie e destruição para chegar ao poder foi captada em cenas de vandalismo histórico, cultural, político, antropológico enfim. O golpe mostrou sua cara, e não é a de Jair Bolsonaro, um beócio, iletrado, besta fera menor. A cara do golpe é a do general Heleno, o senhor encurvado pela idade, de sorriso sibilino e olhar de fel. Ele é o homem que maquina o mal o tempo todo, ao seu lado, Bolsonaro é um menino mimado resmungão.

Mas, exatamente como na década de 1970, quando era AJO do ministro Sylvio Frota, o hoje general prefere (ou se habituou) agir na sombra, atrás do personagem principal, por isso enviou Bolsonaro para a Florida e de Brasília comanda as ações de vandalismo, quebra-quebra e terror nas cidades brasileiras, sobretudo a capital federal onde toda a polícia e o Exército estavam no bolso – ou no saco, se preferir. Seu personagem principal está preservado, longe do teatro de guerra, à espera da ordem para voltar os braços do povo.

Para sair desta baderna, o governo terá de gastar mais do que saliva, ainda que esta seja importante também, a diplomacia brasileira tem uma face doméstica muito eficaz e tempos de paz ou de guerra. Lula, presidente da república sentado à cadeira onde Bolsonaro abundou por quatro longos anos, sabe bem o que é isso, a simbologia, a importância para o povo das peças e adereços como a faixa presidencial. O presidente terá de se mostrar por inteiro, Luís Inácio Lula da Silva, diante dos generais e outros altos oficiais que sempre torceram o nariz à menção do seu nome. Agora mesmo, recém-empossado presidente e comandante em chefe das forças armadas, viu-se diante de um almirante que recusou cumprimentá-lo e compareceu à paisana ao almoço oferecido pelo oficialato.

Este assunto é muito abrangente para um texto que se pretendia rápido no seu começo. Voltarei a ele.