Entrevista: Mulher e nordestina, ela é a primeira brasileira eleita para o Parlamento espanhol

Nascida em Aracaju – SE, Maria Dantas é advogada, militante dos direitos humanos e luta contra racismo, o fascismo e o machismo. Após 25 anos na Espanha, 20 deles dedicados – de corpo e alma – ao ativismo social, tornou-se a primeira brasileira eleita para o Congresso Espanhol, com o principal objetivo de parar “os pés” da extrema-direita e do fascismo. Para ela que, mesmo morando fora, vive, respira e sofre pelo Brasil, o país vive um retrocesso,“involucionou, andou para trás”, pois está perdendo a humanidade e a empatia.

André Fernandes, Fundador e Diretor da Agência de Notícia das Favelas, esteve em turnê pela Europa visando expandir a organização e alcançar novas parcerias e conversou com exclusividade com a parlamentar, que também se tornou colaboradora da ANF. Confira:

Crédito: Mar Joaniquet

AVF – Conte-nos um pouco da sua história no Brasil e a decisão da mudança para a Espanha

MD– Me formei em direito pela universidade federal de Sergipe. Era 1994, eu era muito novinha e estava me separando. Queria dar uma virada na minha vida. Houve uma oportunidade porque a Delegacia de Segurança Pública, onde eu trabalhava, ia abrir duas novas delegacias, de proteção ao consumidor e de proteção ao meio ambiente. Não havia especialização em Aracaju e, na época, o Brasil vivia uma crise e era tudo muito caro, inflação altíssima.  São Paulo tinha o curso que eu queria, mas era muito caro, então, eu vendi um Fiat Uno branco que eu tinha, minha família não tinha dinheiro, mas ajudou como pode e eu arrisquei. Viajei para Barcelona com uma amiga, que veio estudar turismo aqui, com poucas condições financeiras, sem saber a língua local, mas com muita esperança. Aprendi o idioma em três meses, depois de um curso intensivo.

AVF– Há quanto tempo vive na Espanha e como foi sua chegada?

MD– Eu moro aqui há 25 anos. A minha chegada foi num novembro frio de 1994. Cheguei vestindo uma saia jeans longa e um casaco jeans que não protegiam nada, mas era o mais quentinho que eu tinha lá em Aracaju. Minha chegada em Barcelona foi por um lado triste, porque eu tinha deixado minha família lá, mas muito cheia de esperança porque eu realmente queria dar uma guinada na minha vida, fazer essa especialização e continuar o meu trabalho, seguir uma carreira. Foi como da maioria das pessoas imigrantes: sem base social e familiar, sem saber o idioma, com pouquíssimo dinheiro. O que eu fiz, com o pouquinho dinheiro que eu trouxe, foi economizar. Foi uma chegada precária, mas com muita esperança. Então, comecei a fazer trabalhos domésticos para me manter. A minha vida aqui sempre foi passar perrengue e fazer trabalhos de economia informal, para tentar chegar ao fim de mês.

AVF – Por que resolveu se candidatar?

MD– Foram vários fatores, mas vou comentar um que acho interessante explicar para Agência de Notícias das Favelas (ANF). Nesses quase 25 anos que moro na Catalunha, durante 20 anos me dediquei, de corpo e alma, nas minhas horas livres, aos movimentos sociais de base: contra o fascismo e o racismo, acompanhamento aos refugiados, aos movimentos feministas e vários outros coletivos. Fui chamada várias vezes pra compor chapas, mas nunca aceitei. Em março desse ano, teve uma manifestação das mulheres aqui em Barcelona. Fizemos uma faixa enorme – imensa mesmo – pra homenagear a Marielle (vereadora Marielle Franco, assassinada há pouco mais de um ano, no Rio de Janeiro) e um bloco próprio dentro da manifestação. Quando fui embora, as meninas enviaram um vídeo da Marielle num grupo no qual ela  dizia: pô! mulher, preto, viado, pobre, sapatão, índio…todo mundo tem que entrar pra política pra ver se a gente consegue mudar o que está aí, melhorar o que está errado. Recebi aquele “tapa na cara” da Marielle e pensei: é isso aí, bicho, eu tenho que entrar pra política. E aceitei! Aceitei também pela conjuntura política no Brasil e também aqui na Espanha, com a vitória da extrema-direita. Pensei que era hora de sair das ruas e levar meus saberes e minha luta social, antifascista e antirracista, para o congresso espanhol. Minha grande vontade é parar os pés da extrema-direita e do fascismo. Como eu posso fazer isso? Posso propor emendas em tudo, na totalidade do que for proposto pela extrema direita no Congresso Espanhol.

AVF– Quais são suas bandeiras e por quê?

MD– As minhas pautas são claras, pró direitos humanos: antirracistas, antifascistas, contra a  LGBTfobia, contra o machismo. Quando eu falo antirracista, é contra qualquer tipo de racismo. Aqui na Catalunha, falamos que existem várias formas de racismo como a islamofobia – que é o racismo contra os muçulmanos, onde as mulheres seguem sendo as mais prejudicadas e contra o racismo do povo cigano.

AVF– Qual sua visão do Brasil atual?

MD– Moro aqui há 25 anos, mas vivo bastante o Brasil, respiro e sinto o Brasil e me dói muito o Brasil. O fato de uma pessoa estar morando fora, não significa que ela está alheia aos fatos que acontecem no país. Ao contrário, pude constatar que eu conheço e estou mais atenta à situação sociopolítica e econômica do Brasil do que muitos brasileiros e brasileiras, simplesmente, porque estou fora da bolha. Estar fora da bolha é muito importante para entender nuances que, dentro da bolha, não conseguimos ver. Quem está dentro da bolha, não enxerga. Posso afirmar que eu conheci muito mais o Brasil, morando fora. Constatei fatos que, estando no Brasil, teriam sido muito difíceis, estou falando, por exemplo, de geopolítica e da oportunidade de falar outras línguas, que também é muito importante, porque eu tenho acesso a mais meios de comunicação. O meu mundo de conhecimento ampliou. Falo de mim, mas quero ampliar para outras pessoas na minha situação, porque a gente vive no coletivo. A minha visão do Brasil, hoje, é de um país que “involucionou”, andou  pra trás que, infelizmente, está perdendo a sua humanidade. Sempre falei que o Brasil era um dos países mais racistas do mundo e, agora está provado. Tem muita gente sendo racista, sendo LGBTIfóbica sem nenhuma vergonha. Uma grande parte do povo brasileiro comprou a ideia de que o politicamente é feio. O politicamente correto, basicamente, é ter empatia com a exclusão social, com as minorias e com as dores do mundo. Quando se perde essa empatia, mesmo sem conhecer a outra pessoa, perde-se a humanidade.