E se o “dia da mulher” fosse todo dia?

Roda de conversa com as alunas da EJA, 2019 organizada por Wellen - Foto: Arquivo Pessoal

Agosto chegou, março ficou para trás, junto com o dia 8, quando se comemora o Dia Internacional da Mulher. Há quem pense ser dia de flor, nada contra as flores os bombons inclusive são muitos bem-vindos, mas os presentes não devem substituir o respeito por anos de luta: ontem, pelo direito ao voto e hoje, pelo direito à vida.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a taxa de feminicídio no Brasil é a quinta maior do mundo são, em média, 4,8 assassinatos para cada 100 mil mulheres. O aumento dos casos de feminicídio no país preocupa a Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher, que entende como necessária uma transformação cultural para a mudança do quadro. Em tempos de pandemia do Covid-19, em que a orientação da OMS é ficar em casa, a violência física contra a mulher aumentou 67%, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP). E agora, o que fazer?

Apostando na transformação cultural pela via da educação, ainda antes do período de isolamento social ser iniciado, a pedagoga e pesquisadora Wellen Bhering desenvolveu um importante trabalho com as alunas e alunos de uma escola municipal em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. Mestranda em Educação pela UFRRJ, organizou rodas de conversa na escola em que leciona para debater violência de gênero nas suas diversas formas. O trabalho consistiu em debates a partir de manchetes de casos de feminicídio, análise dos gráficos elaborados pela professora e problematização sobre dois vídeos selecionados por Wellen. Foram cinco dias de roda de conversa, tempo necessário para que todas as doze turmas da escola participassem das discussões.

“Para além da física, nós tocamos nos demais tipos de violência. Preparei um material com os dados em forma de gráfico, por exemplo, em que mostrava quem são os maiores agressores de acordo com as estatísticas, onde acontecem essas violências, a faixa-etária da maioria das vítimas, o perfil étnico racial delas. Eu peguei os dados e transformei em gráficos bem palatáveis. Enquanto isso, os vídeos falavam sobre o ciclo da violência contra a mulher e sobre relacionamento abusivo”, conta a pesquisadora.

Por entender que a abordagem da temática é diferente para homens e mulheres, a pedagoga conta que o trabalho foi realizado de forma que meninas e meninos tivessem espaços de debate separados. Sobre esses momentos, ela acrescenta: “Durante as rodas, muitas estudantes faziam seus relatos. Muitas se emocionavam ao contar o que já haviam sofrido”. Ela relata, ainda, que muitas estudantes procuraram sua ajuda após os momentos de roda para contar situações pelas quais passaram e/ou passam, contando sobre as inúmeras dificuldades de sair de um cenário de relacionamento abusivo ou violência de qualquer natureza.

Na pesquisa realizada por Wellen, ela constatou que 75% das alunas que participaram da pesquisa já foram vítimas de violência doméstica. Foi claramente percebida a urgência do debate da violência de gênero para além do mês da mulher e passado a ser desenvolvido um trabalho, iniciado em março, e mantido durante todo o ano. É um trabalho contínuo de conscientização e garantia dos direitos das mulheres.

É uma educação pelo direito em amplos sentidos de direitos. Pelo direito de ser “bela, recatada e do lar”, pelo direito também de ser da rua e de ter sua personalidade e temperamento. Pelo direito de ser discreta e também espalhafatosa, de ser magra e de ser gorda, vaidosa e desencanada, de arrumar o cabelo como quiser ou deixar bagunçado, de ser fitness ou não, de casar se quiser, quando quiser. Pelo direito de escolher ou não a maternidade, de escolher as próprias roupas, crenças e relacionamentos, de não seguir padrões, de ser dona de casa e/ou também ser costureira, cozinheira, motorista de ônibus, engenheira, operadora de máquinas, dançarina, eletricista, enfermeira, juíza, professora, presidente da república, representante do povo. Pelo direito de ser ativista, engajada, de ter voz e lutar por representatividade, de fazer as próprias escolhas e trilhar seu caminho como quiser, de não ser estuprada, violentada, ameaçada, coagida, intimidada e subestimada. Pelo direito de ser protagonista da própria história como se fosse um eterno 8 de março.