Desfrute a jornada

Arco do Arco do Cego, em Lisboa. Crédito: Arquivo pessoal.

São mais de 20 h em Lisboa e o sol ainda está no céu, apesar de fazer 15 graus e minhas mãos estarem quase alterando a cor natural, afinal de contas eu esqueci o casaco no hostel.
Aqui estamos em horário de verão – a diferença do fuso horário é de quatro horas a mais no Brasil. Todos estão a se reunir em um parque após um dia de trabalho para comerem e falarem sobre coisas aleatórias.

As rodas de conversas são as mais diversas possíveis e há uma mistura entre idades, estilos e gostos. Uma das melhores coisas? Aqui o vinho é barato e a cerveja chega a custar 60 centavos. Retirei o notebook da mochila e sentei bem no meio do parque para escrever esse texto, mas antes me certifiquei, como uma boa carioca, se o local era seguro. Recebi uma resposta seguida de olhares que diziam “obviamente, o que achas?”

– Desculpe, sou brasileira e essa é uma prática histórica em meu país. Ser roubada, respondi.

Pois bem, quero nesses #30DiasEmPortugal, apenas ser o que eu desejar e uma das coisas que mais desejo é apenas “ser”, ao invés de “ter que”. Será que eu consigo?!

Antes de começar essa viagem, eu já estava viajando. Aos 10 anos eu já falava o quanto iria conhecer o mundo e era seguida das afirmações da minha mãe, que reforçava que o mundo era o “meu lugar”.

Mas eu tive medo. Medo de bem no finalzinho não conseguir embarcar. Durante o voo, enjoei em cada turbulência. Dei graças aos céus de estar no corredor. Tive medo de ser barrada na imigração por qualquer motivo. Tive receio de não acreditarem na minha capacidade de ocupar um determinado lugar, e não sei se você leu meu último texto para esse portal, mas ele também era um recado de mim para mim mesma. Um recado de que outros conseguiram e eu também conseguiria quebrar essa barreira que minha territorialidade sugeria.

Alguns questionamentos surgiram ao longo desses mais de três meses de planejamento dessa jornada. Esses questionamentos me fizeram ter pesadelos, dores no estômago e estado de ansiedade. Questionei minha intelectualidade, meu profissionalismo e quase me sabotei. A gente espera uma vida inteira para alcançar novos lugares, poder, voz, protagonismo, mas será que estamos preparadas(os) para a caminhada até esse lugar?

Por que a gente não fala sobre o medo? Por que a gente não compartilha nossas limitações e se especializa em como não se autossabotar? Por que temos o hábito de não compartilhar os períodos turbulentos e preparar os que estão vindo depois da gente? Isso deveria ser matéria de escola.

É legítimo e natural, depois de algumas vivências em nossos locais de origem, ficarmos em inércia diante de situações que nos cobram um fôlego maior. Costumo dar o nome disso de autoestima territorial, ou seja, a avaliação que fazemos das nossas oportunidades e conquistas, colocando em questão de onde viemos e as dificuldades que passamos, assim como os habituais questionamentos que esse território nos oferece. Mas como mudar o sentido destas memórias vividas?

Se me permitem, gostaria de compartilhar com vocês uma palavra que vem me acompanhando desde o início deste processo que foi o convite a Lisboa:

Ressignificar!

Criar novos sentidos para as coisas tem me feito ultrapassar barreiras que até então eram vistas como intransponíveis. Eu, mulher e negra, em Lisboa, de acordo com a nossa memória histórica com Portugal e os efeitos da colonização, tudo isso estava me deixando realmente tensa de vir para cá. Mas eu precisei buscar sentidos que me fizessem olhar esta oportunidade por outra perspectiva. Como se não bastasse, ainda me vi em um mar de questionamentos a respeito do quão esse era o momento e qual era a prioridade.

Como deixar as minhas “Obrigações” viscerais de lado, para seguir meu desejo mais íntimo? Os desejos da minha alma!

E mais. Eu estaria fazendo o certo em abrir mão de todas os convites de escolas e eventos sociais por um mês para simplesmente ser quem eu queria?

A resposta foi óbvia:

Sim!

E “cá estou”! A quase 8.000 km de casa, atravessando o oceano, rumo a um novo continente para trazer novo sentido aos acontecimentos.  Novas perspectivas, novas ideias, o frescor do desconhecido. Andando pelas ruelas de Lisboa, encontro vez ou outra com o susto de que há sentido em permitir-se ser. Carrego na bagagem a sensação de voltar um pouco mais completa que antes e, quem sabe, transformar o mundo ou apenas a mim mesma.

Se eu pudesse dizer algo à menina de 10 anos de idade que fui, seria: “Tenha medo, mas se permita. Seu caminho será incrível”.

Que tal se preparar para o destino que você sempre desejou?