Das Malvinas ao Bairro da Paz: 42 anos de existência e resistência

O território que atualmente é conhecido como Bairro da Paz, teve sua primeira ocupação em 1982, quando centenas de famílias oriundas do interior da Bahia chegaram em Salvador, como parte do êxodo rural daquela época. O local ficou conhecido como “Invasão das Malvinas, em alusão a Guerra das Malvinas, que acontecia no mesmo período entre Argentina e Inglaterra. Em 1986, ocorreu uma segunda ocupação, e até 1991 muitas residências ainda eram feitas de madeirite, cobertas por lonas e algumas eram derrubadas constantemente pela polícia. 

Em 1992, diante do cenário de conflitos entre a PM e moradores, entidades ligadas à Igreja Católica e outras instituições sociais, que acompanharam o processo de ocupação, ajudaram na elaboração de um plebiscito para a mudança do nome do local, que passou a se chamar Bairro da Paz. Neste ano foi fundado o Conselho de Moradores do Bairro da Paz, instituição atuante até os dias atuais. Antes da construção do prédio do Conselho de Moradores, era na Praça das Decisões (final de linha), que as reuniões comunitárias aconteciam para resolução das demandas do bairro.

Abril de 2024, mais de quatro décadas depois da primeira ocupação, o Bairro da Paz, oficialmente registrado e emancipado, tem um dos metros quadrados mais caros da região, principalmente pela especulação imobiliária que continua na tentativa de cooptar moradores para vender seus imóveis. O bairro é considerado a 5ª favela mais populosa de Salvador, segundo dados do Instituto Brasileiro de Estatísticas e Geografia – IBGE 2022.

Imagem da ocupação entre a década de 80 e 90. Crédito: Conselho de Moradores.

O Bairro da Paz, fica localizado na Avenida Luís Viana Filho, (entre a Rodoviária e o Aeroporto) apelidada de Avenida Paralela, construída na década de 70. As primeiras reivindicações dos moradores começaram a ser atendidas após a oficialização do local, dando características de bairro: instalação de telefones públicos, transporte coletivo, rede de energia, água potável, implantação de escola, posto de saúde e serviços dos correios.

Local de fácil acesso, mobilidade urbana, transporte público ônibus e metrô (Estação de Metrô Bairro da Paz), na entrada principal, no início da Rua da Resistência, primeira e principal via que liga até o final de linha, passando pela Praça do Popular. O bairro tem uma cooperativa de transporte COOPERPAZ.

O bairro está rodeado de vários empreendimentos (condomínios, faculdade, shopping, estação de metrô, outros bairros), geograficamente sendo transformado em “uma ilha de concreto”. Ao longo dessas mais de 4 décadas, a luta pelo direito à moradia e a busca pelos serviços públicos se tornou umas das principais necessidades para os moradores, que desde sua fundação contam com apoios e diversas organizações filantrópicas, entre organizações religiosas e sociais.

A comunidade tem alguns serviços públicos como um colégio estadual, que homenageia um dos primeiros educadores local, Mestre Paulo dos Anjos, ativista social através da capoeira (Colégio Estadual Mestre Paulo dos Anjos), quatro escolas municipais, sendo que duas utilizam espaços físicos fora do bairro, uma unidade básica de saúde, uma UPA, um CRAS, uma Unidade da Base Comunitária de Segurança, várias instituições sociais, que atuam de forma independente de órgãos públicos e em diversos seguimentos, a exemplo da educação, cultura, esporte, saúde e também formação política social e religiosa.

Foto: Praça das Decisões e o monumento da pomba, símbolos do Bairro da Paz. Crédito: Conselho de Moradores

Inúmeras ações sociais e projetos contribuem para a formação social e qualificação profissional dos moradores, desde atividades ligadas a educação, esporte, cultura, sendo desenvolvidas em sua maioria por iniciativa da própria comunidade, mostrando a resiliência e criatividade diante das dificuldades, a exemplo do Instituto Apompaz, Programa Avançar, ONG Renovação, Projeto Caminho da Paz, Fórum Permanente de Entidades do Bairro da Paz, Instituto Abelha Rainha, Projeto Viver Mais, CIA de Teatro Malvinas, organizações que atendem públicos variados, desde crianças a idosos, em ações que mesclam a vivência de diversas gerações que fazem parte desta trajetória de luta e resistência.

Uma Pomba na praça central, uma bandeira e uma música, são os principais elementos que representam a história e a memória do Bairro da Paz. A bandeira, por exemplo foi elaborada através de um concurso na Escola Municipal Nossa Senhora da Paz, a música intitulada de “Balança, mas não caí, balança, mas não caí, essa é a galera do Bairro da Paz”, foi composta por Sidney Argolo, músico e morador do bairro, e o monumento da pomba foi uma construção coletiva e estrategicamente instalada na Praça das Decisões, como uma recepção aos visitantes.

Além veículos de comunicação, como a Rádio Comunitária Avançar, a primeira iniciativa de produção de notícias, que estabeleceu uma parceria com a FTC- Faculdade de Tecnologia e Ciências, através do pré-vestibular social e um curso em direitos humanos com apoio da UNESCo, intermediado pela Professora Mariaugusta, mídias digitais (Bairro da Paz News, Rádio On-line CEMPA, Jornal Comunitário, Notícias do Bairro da Paz), a Agência de Notícias das Favelas, escritório de publicidade “Tempo Propaganda” (inaugurado neste mês de aniversário do bairro), ambas instituições tendo moradores do bairro na função de coordenação e integrando a equipe dessas organizações exercendo outras funções.

O legado deixado pelos primeiros moradores reverbera até os dias atuais, reforçando entre outros fatores, o espírito de solidariedade, resiliência e representatividade, para que a importância da coletividade continue sendo um símbolo de existência e resistência!

Artigo anteriorBasquete na Praça Mico Preto: Transformando Vidas através do Esporte e da Cultura
Próximo artigoAmazônia: violência contra jornalistas e comunicadores
Paulo de Almeida Filho
Jornalista, Especialista em Comunicação Comunitária, Mestre em Gestão da Educação, Tecnologias e Redes Sociais - UNEB - Universidade do Estado da Bahia. Editor da Agência de Notícias das Favelas. Pesquisador do CRDH- Centro de Referência e Desenvolvimento em Humanidades - UNEB - Universidade do Estado da Bahia. Professor de Pós Graduação, em Comunicação e Diversidade, na Escola Baiana de Comunicação. Assessor da REDE MIDICOM- Rede das Mídias Comunitárias de Salvador. Membro do Grupo de Pesquisa TIPEMSE - Tecnologias, Inovação Pedagógicas e Mobilização Social pela Educação. Articulado Comunitário do Coletivo de Comunicação Bairro da Paz News. Membro da Frente Baiana pela Democratização da Comunicação. Integrante do Fórum de Saúde das Periferias da Bahia. Membro da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito- Núcleo Bahia. Integrante da Rede de Proteção de Jornalistas e Comunicadores Coordenador Social do Conselho de Moradores do Bairro da Paz, EduComunicador e Consultor em Mídias Periféricas.