Cultura do estupro e caso Neymar

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Desde o dia primeiro de junho acompanhamos a cobertura do “Caso Neymar”, a divulgação do boletim de ocorrência registrado pela modelo Najila Trindade  acusa o atacante da seleção brasileira Neymar Jr. de estupro. E partir daí já surgiram inúmeras declarações, reportagens e até memes a favor do jogador e acusando a modelo de extorsão. A repercussão da mídia e redes sociais está sendo intensa e as opiniões têm caído na velha narrativa do “menino rico e inocente vítima de extorsão”. Porém, o que essas opiniões não levam em conta é a realidade de violência contra as mulheres, cultura do estupro e a lógica machista em que nosso país está submerso. O Brasil registra 1.370 estupros por dia, ou seja, uma mulher é estuprada a cada 11 minutos e a cada duas horas e meia acontece um estupro coletivo (praticado por dois ou mais agressores) em nosso país. Esses são dados apresentados pelo Mapa da Violência 2018, divulgados dia cinco de junho de 2019.

Aproveitando-se dessa polêmica e ignorando o Mapa da Violência, o deputado federal Carlos Jordy (PSL-RJ) protocolou na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 3369/2019, que agrava a pena em até um terço acusações falsas de estupro, “crime de denunciação caluniosa quando a falsa imputação se tratar de crimes contra a dignidade sexual”. O projeto de lei surgiu logo a após a denúncia feita pela Najila e as acusações do pai de Neymar por extorsão. O deputado chegou a usar o caso do jogador como justificativa para o projeto em suas redes sociais. Mas o que ele nem se quer mencionou foi o crime cometido pelo atacante, independente do estupro ser provado ou não, Neymar cometeu pelo menos um crime: pornografia de vingança. Segundo o artigo 218-C do Código Penal, espalhar fotos, conversas e vídeos não autorizados é tipificado como crime. Ao decidir se defender em redes socais ao invés de provar sua inocência nos tribunais, Neymar apelou pelo senso comum machista e apostou mais uma vez na força que o “menino Neymar” pode despertar em seus fãs. Afinal,Najila “é uma mulher maldosa que seduziu um menino inocente que queria curtir em busca de dinheiro”. Ao apostar nas redes sociais Neymar deixou explicito que precisa ser inocentado pelo público para encarar os tribunais. Com uma conta no instagram que está entre as 10 com mais seguidores do mundo, 120 milhões de pessoas (audiência maior que muitos canais de televisão) puderam assistir o atacante explicar como ele teria sido enganado e seduzido e como a modelo é safada e sem escrúpulos. Tornando Najila duplamente culpada: pelo envio de fotos sensuais e pelo ataque a imagem de Neymar. Um “menino” de 27 anos que queria se divertir e foi instigado sexualmente pela modelo. Ao postar a conversa e vídeos nas redes, o jogador torna ainda mais difícil a luta pela compreensão que de não é não. E dificulta ainda mais a denúncia de estupros, principalmente em casos onde havia relações consensuais anteriormente.

A verdade é que nesse cenário de histórias onde homens são inocentes e mulheres ardilosas, não há analises de dados, estudos e estatísticas para julgar mulheres, o critério é apenas o debate “moral”, ausente de evidências e cheio de uma cultura que criminaliza mulheres. Basta acompanharmos o debate público, onde vemos diariamente mulheres sendo desqualificadas e vistas com desconfiança toda a vez que denunciam abusos. Ao reivindicar seus direitos, mulheres são facilmente acusadas de instrumentalizar algum direito adquirido para obter benefícios. E além do descrédito as denúncias de violências ainda há relativização dos casos e até piadas sobre o tema. Circula pela internet memes e “brincadeiras” como “ Neymar deveria tratar a sua Maria Chuteira como o goleiro Bruno tratou a sua”.  E uma insistente narrativa que julga demasiadamente a vítima e ignora os comportamentos do jogador. Antes de Neymar ir as redes, o caso corria em segredo de justiça, sem se que citar o nome da modelo, foi ele mesmo que deu o nome e divulgou fotos dando o suposto “status e fama” que ele, sua família e apoiadores tanto falam. Ao invés de se preocuparem com denúncias de falsos estupros ( não há estudos sobre tais denúncias) que tal se preocupar com o número baixíssimo de mulheres que denunciam violências ? (de acordo com o Mapa da Violência 2018, a subnotificação de violências sexuais é maior que 10% em todas as capitais). Precisamos parar de atacar as vítimas, precisamos fortalecer as mulheres e as políticas de proteção e igualde de gênero. Para além disso precisamos também pensar que apenas judicializar as questões de violência gênero está longe de ser a solução, é necessário garantir as políticas públicas de educação sexual, proteção e igualdade.