Pernambuco: Complexo Industrial Portuário de Suape comete racismo ambiental e viola direitos humanos

Pescador artesanal e Estaleiro Atlântico Sul disputam o mesmo espaço. Foto - Rodrigo Lima/ Núcleo de Comunicação Caranguejo Uçá

A construção de um dique de enrocamento (barreiramento) com estrada entre o Estaleiro Atlântico Sul e a Via Portuária atravessando a foz do rio Tatuoca nas instalações do Complexo Industrial Portuário de Suape, município de Ipojuca, litoral sul de Pernambuco vem causando danos ambientais e diversas violações de direitos humanos, impedindo o fluxo natural do rio e das espécies marinhas e prejudicando centenas de famílias de pescadoras e pescadores artesanais.

Barreiramento visto de cima e ao fundo o Estaleiro Atlântico Sul. Foto – Hamilton Tenório/ Núcleo de Comunicação Caranguejo Uçá

Esse “empreendimento” ataca diretamente as populações tradicionais (quilombola e pesqueira) da região, como Ilha de Mercês, Tiriri e Tatuoca. Suape, como é conhecida pelas populações nativas da região, está ao longo de dez anos submetendo os povos tradicionais ao medo, ao constrangimento e à proibição de suas atividades profissionais e econômicas, das quais se destacam a coleta de frutas e a pesca, garantindo a soberania e a segurança alimentar das comunidades.

Cerca de 200 famílias vivem na Ilha de Mercês, comunidade quilombola mais impactada pelos danos ambientais causados com a construção do barreiramento, e alvo da cobiça do empreendimento industrial de Suape.

Luísa Duque, assessora jurídica do Fórum Suape relata que o bloqueio do Rio Tatuoca foi realizado em 2007 para servir de acesso provisório ao Estaleiro Atlântico Sul, e que o barramento recebeu licenciamento pela CPRH (Agência Estadual de Meio Ambiente) para estar no local durante o período de um ano e seis meses, devendo ter sido retirado por Suape após o cumprimento deste prazo, o que não ocorreu.

“Estamos em 2021, e o barramento continua ali, e se ele foi licenciado para funcionar como acesso provisório e continua no local, está ilegal. Está ilegal tanto do ponto de vista formal, considerando que não há licença permanente, quanto do ponto de vista ambiental, com os danos ao território e às pescadoras e pescadores artesanais que dependem daqueles espaços saudáveis para sobreviver. O barramento do Rio Tatuoca passou a impedir o contato deste com a maré. Se o rio perde o contato com a maré, todo aquele ecossistema do entorno vai sentir, assim como está sentindo”, explica Luísa.

Funcionários a serviço do empreendimento Suape seguem coagindo, intimidando e até ameaçando a integridade das pescadoras e pescadores artesanais da região, que muitas vezes têm seus apetrechos de pesca (redes e armadilhas) tomados e destruídos pelos funcionários de segurança terceirizados da empresa. A imprensa e outros veículos que estão buscando respostas e visibilidade para a causa das pescadoras e pescadores também sofrem intimidações e coações ao se aproximarem do barreiramento.

Núcleo de Comunicação Caranguejo Uçá e Agência de Notícias das Favelas são intimidados por seguranças ao se aproximarem do barramento com os pescadores. Foto – Hamilton Tenório/ Núcleo de Comunicação Caranguejo Uçá

As violações cometidas pelo Complexo Industrial Portuário de Suape são diversas, como o descumprimento do acordo de destruir o dique, após o término da obra da Ponte do Rio Tiriri, que está pronta há dez anos. A empresa também se negou a assinar o TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), no qual se responsabilizaria diante do Ministério Público e da Defensoria Pública da União a desfazer o barreiramento, como uma maneira de amenizar os danos e impactos socioambientais causados.

Pescador Martins e seguranças que impedem sua atividade de pesca. Foto – Junior Silva/ ANF

O fluxo das águas do rio e das marés deixaram de seguir de maneira natural e a vida marinha na região, além da vasta vegetação de Mangue e Mata Atlântica, estão comprometidas e ameaçadas à extinção caso não sejam tomadas medidas de recuperação em caráter de urgência.

O movimento das marés, subindo e descendo, é essencial para a manutenção do ecossistema, visto que o mangue funciona como o berçário das espécies marinhas, promovendo um ambiente seguro e de alimentação vasta.

“Peixes estão morrendo, peixes que dependem do estuário para se desenvolver, inclusive espécies que estão ameaçadas de extinção, como o peixe Mero, estão aparecendo mortos, porque não estão conseguindo retornar à maré para completar o seu ciclo de vida. Muitas outras espécies de algas que não existiam antes estão começando a se desenvolver rapidamente, uma prova evidente de desequilíbrio ambiental. Em todos esses anos que aquele barramento ilegal continuou existindo, as comunidades que dependem da pesca naquele estuário vêm relatando uma diminuição muito significativa do pescado”, desabafa Luísa Duque.

Aratu capturado pela pescadora Marinalva, da Ilha de Mercês. Foto – Junior Silva/ ANF

Há seis meses o Ministério Público Federal, o Ministério Público de Pernambuco e a Defensoria Pública da União vêm junto à Comunidade Quilombola Ilha de Mercês e o Fórum Suape realizando reuniões com o Complexo Industrial Portuário de Suape de forma institucionalizada. O MPF, o MPPE e a DPU propuseram à Suape um Termo de Ajustamento de Conduta, em que Suape se comprometeria a retirar o barramento dentro do período de um ano. Suape se recusou a assinar o Termo de Ajuste de Conduta.

O Fórum Suape passou a desenvolver a campanha “Rios Livres Mangues Vivos”, junto a outros coletivos que atuam na defesa do meio ambiente e das comunidades tradicionais. O objetivo da campanha é mobilizar a luta em defesa da preservação da natureza e denunciar as violações ambientais e de direitos humanos causadas pelo Complexo Industrial Portuário de Suape.

Matéria produzida com a colaboração de Edson Fly, comunicador da Ação Comunitária Caranguejo Uçá, Ilha de Deus, Recife-Pe.

Nota da Suape

À Agência de Notícias das Favelas

Em: 02.03.2021

A respeito de matéria publicada em 01.03.21 intitulada “Complexo Industrial Portuário de Suape comete racismo ambiental e viola direitos humanos”, gostaríamos de esclarecer:

O enrocamento citado na matéria foi feito com o devido licenciamento ambiental, emitido pela Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) e na licença não ficou estabelecido nenhum prazo para a sua retirada, como afirmado na matéria. No entanto, há duas recomendações para permanência do enrocamento em razão dos sedimentos que são levantados na execução de dragagens. O enrocamento também se tornou um acesso alternativo para cenários críticos e de emergência na área do Porto, sendo utilizado como rota de fuga alternativa.

Contudo, a fim de atender aos pescadores, Suape contratou um Estudo de Análise Técnica de Impacto Ambiental para realizar um desenrocamento parcial e dar maior vazão ao rio Tatuoca. O estudo está sendo finalizado essa semana e o resultado servirá de base para dar entrada no licenciamento ambiental do projeto-executivo junto à CPRH.

Considerando que o processo de desenrocamento foi iniciado por Suape de forma voluntária, tendo a empresa não só discutido o tema junto às partes interessadas, como também apresentado, de forma proativa, um cronograma de atividades junto ao Ministério Público, a empresa não viu necessidade de assinar um TAC. Mas continua dialogando com os envolvidos.

Sobre a relação com posseiros, o Complexo de Suape esclarece que tem atuado de forma transparente e colaborativa com as comunidades consolidadas locais, mantendo uma relação de diálogo e respeito com as mesmas. Vários projetos e ações voltados à economia circulare fomento às microeconomias existentes na região estão em andamento e as empresas do território são estimuladas a investirem nessas ações, conforme matéria no link:

http://www.suape.pe.gov.br/pt/noticias/1418-suape-implanta-o-5-laboratorio-vivo-de-ecotenologias-no-territorio-na-comunidade-de-vila-nova-tatuoca?highlight=WyJ0YXR1b2NhIl0=

Por outro lado, Suape enfrenta constantes invasões de áreas, desmatamentos de zonas de preservação ambiental, queimadas e construções irregulares. Trabalho que procura exercer de forma pacífica. Não há qualquer interferência junto aos pescadores onde a pesca é permitida. Na área portuária, a pesca não é permitida, por questão de segurança, mas não temos conhecimento de nenhuma apreensão de material, apenas de orientação aos pescadors.Também não há nenhuma comprovação de que a atividade portuária afete a sobrevivência de peixes. O Instituto Hippocampus, inclusive, comprovou a presença de cavalos-marinhos em estuários do território, um indicador da boa qualidade das águas e do equilíbrio entre as espécies, conforme matéria no link:

http://www.suape.pe.gov.br/pt/noticias/1422-instituto-hippocampus-constata-presenca-de-cavalos-marinhos-em-estuarios-de-suape?highlight=WyJoaXBwb2NhbXB1cyJd

Por fim, Suape esclarece que repudia qualquer tipo de violência e coloca sua ouvidoria((81) 3527.5070 – ouvidoria@suape.pe.gov.br) à disposição para que seja registrada qualquer ocorrência sobre possível violação aos direitos humanos para ser apurada com a devida seriedade. Suape também se coloca à disposição para esclarecimento de fatos encaminhado à ANF envolvendo o órgão.

Atenciosamente,

Coordenadoria de Comunicação de Suape