Belford Roxo pede justiça contra racismo estrutural

Manifestantes expressaram em frases e gritos de ordem seu apelo por justiça - Foto: Marcelo Belfort

Na esteira dos atos antirracistas após o assassinato de João Alberto Silveira Freitas, no último dia 19 em Porto Alegre, a cidade de Belford Roxo, na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro também foi palco de mais um ato reunindo movimentos sociais. Entre os dias 20 e 23 de novembro aconteceram cinco atos em unidades do Carrefour, no Grande Rio: Barra da Tijuca (20/11), Norte Shopping (22/11), Duque de Caxias (22/11), Campo Grande (22/11) e Belford Roxo (23/11).

Marcado para às 16h, o ato reuniu representantes de entidades para darem seu recado contra o racismo. Heitor Silva, 61 anos, do Movimento Popular de Favelas (MPF), afirma que está sendo estabelecido um diálogo junto à Comissão de Direitos Humanos da Alerj para estudar a situação do supermercado. “Nós estamos tentando participar do maior número de manifestações possíveis. Temos alguns companheiros que são advogados que participam na forma de apoio jurídico, porque este incidente é só mais um que demonstra a política genocida contra os negros neste país”, completa.

Adriana Martins, representando o Movimento Negro Unificado (MNU), e, integrante da Comissão de Mulheres Brasileiras (CMB) e da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, corrobora a afirmação de Heitor acerca da conversa com entidades públicas, buscando justiça.  “Não queremos esmola do Carrefour! Queremos justiça! A mudança tem que ser na estrutura da sociedade. A lógica de formação destes funcionários de segurança privada tem que mudar”, exalta.

Além disso, Adriana explica que para uma empresa de segurança privada funcionar é necessário o respaldo da Polícia Federal. “O Estado é responsável por todo assassinato e violação de direitos humanos ocorridos dentro destes espaços privados comerciais. O Estado deve ser responsabilizado, o Carrefour tem que ser responsabilizado, a empresa Vector tem que ser responsabilizada!”, conclui.

Adriana com o Movimento Negro Unificado – Foto: Arquivo Pessoal

Lilian dos Santos Mendonça, 39, corrobora: “Justiça é indenizar a família do João Alberto, é colocar os negros que trabalham no Carrefour em evidência. Dar treinamento cultural e racial. O certo seria fechar, mas, como não pode, o certo é obrigar eles a colocar movimento negro dentro do Carrefour”.

Maria José, 51, moradora e professora da rede estadual de Belford Roxo, faz parte da direção do SEPE – Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação, e do Movimento Mulheres em Luta (MML), diz que a mobilização deve ser de todos e não apenas do povo negro. “Todo trabalhador deve se mobilizar. Deve se conscientizar dos seus direitos, pois, nos cobram sempre deveres. A Baixada Fluminense, tem um grande papel nisso, pois, a maior parte da população é negra e está no subemprego”, afirma.

Wildson França, 40, do Fórum Permanente de Cultura de Belford Roxo também esteve presente: “Belford Roxo é uma região dominantemente negra e periférica que sofre com a precarização do trabalho. Não posso deixar de discutir e falar o que acontece na cidade”.

Padre Jorge Paim, da Diocese de Nova Iguaçu desde 1987, trabalha na Baixada Fluminense e no microfone lembrou que desde 1988, na Grande Marcha Negra, estava marchando em busca daquele que diz “felizes aqueles que têm fome e sede de justiça”. “Mais do que nunca nós devemos estender redes para aqueles sedentos por justiça, vida digna e liberdade”, completa.

Padre Paim, além de ser pároco, trabalha no grupo Elos Quilombolas, organização suprapartidária que forma redes na causa dos movimentos negros. “O caso do João Alberto é um caso de racismo estrutural. Desejamos justiça, além da indenização e punição dos autores, mas que revise a metodologia de uma segurança que respeite a vida humana e não seja tão racista”, explica.

Na Alerj, Comissão de Direitos Humanos acompanha o caso

Segundo a assessora da Comissão Permanente de Direitos Humanos (CDH) da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), Mônica Cunha, as articulações proferidas pelos militantes ainda não se efetivaram, porém a Comissão converge para tal parceria. Em nota à Agência de Notícias das Favelas (ANF), a deputada estadual Renata Souza (Psol) e presidente da CDH, disse:

“Esses casos de racismo não são isolados, são cotidianos. A Comissão de Direitos Humanos tem acompanhado mais efetivamente os casos de racismo no Rio de Janeiro e está atenta aos atos de protestos antirracistas promovido pelos movimentos sociais. Como no caso do assassinato de Pedro Gonzaga, no Extra da Barra, quando disponibilizamos acolhimento à família. Mas há outros casos de prisões arbitrárias por reconhecimento facial, no qual o perfil quase único é de pessoas pretas. Por isso, há o contato direto com o Núcleo de Combate a Desigualdade Racial da Defensoria Pública. Houve uma audiência pública na última segunda-feira, 23, da Comissão de Combate às Discriminações da Alerj, na qual participei como presidenta da Comissão de Direitos Humanos e encaminhamos estudos para apresentação de projetos de lei que deem conta de Dossiês sobre as violências de cunho racistas. Sem esses levantamentos, a efetivação de políticas públicas antirracistas ficam inviabilizadas. Vidas pretas importam”.

Representações Negras na Justiça contra o Carrefour

A Coalizão Negra Por Direitos, criada em 2019, é uma entidade nacional que oficialmente integra 150 organizações do movimento negro no Brasil, e presta atendimento jurídico através de advogados como os que compõe o Instituto de Defesa do Povo Negro (IDPN), criado, em agosto deste ano. A Coalizão, no último dia 20, entrou com duas representações, uma junto aos procuradores do Ministério Público Federal (MPF) e outra junto aos procuradores do Ministério Público do Estado do Rio Grande Do Sul (MPERS) contra o Carrefour e a empresa Vector de segurança patrimonial.

Entre muitos requerimentos das Representações emitidas pela Coalizão, além das medidas técnicas de controle de conduta dos funcionários das empresas, destacam-se:

“A criação de medidas protetivas de vítimas da violência praticadas por agentes privados de segurança, bem como de seus familiares; elaboração de políticas internas da empresa para atendimento e reparação financeira às vítimas de violência dentro de suas lojas; elaboração de censos raciais por parte da empresa e de sua rede terceirizada; criação de protocolos por parte do Ministério Público Federal visando regular a atuação da segurança privada nas empresas brasileiras; realização de audiência pública com o Movimento Negro por parte dessa instituição para debater o racismo e segurança privada nas empresas; criação de um grupo de trabalho voltado para analisar os casos de tortura e homicídios praticados por agentes da segurança privada”.

Em São Paulo, o Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras (Idafro) no último dia 22, entrou com uma representação na prefeitura de Porto Alegre pedindo a cassação do alvará de funcionamento da unidade do Carrefour de Passo D’Areia, Zona Norte da cidade. O Idafro, se utiliza de um instrumento legal da própria capital gaúcha. A Lei Orgânica Municipal determina que “sofrerão penalidades de multa até a cassação do alvará de funcionamento e instalação os estabelecimentos de pessoas físicas ou jurídicas que, no território do município, pratiquem ato de discriminação racial”. O texto da representação do Idafro fundamenta-se no autoreconhecimento do racismo, substancializado no assassinato de João Alberto Silveira Freitas, e expresso nos comunicados oficiais do CEO nacional do Carrefour, Noel Prioux, e do vice-presidente do Recursos Humanos da empresa, João Senise.

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