A história dos papa-goiabas

Igreja Matriz de São Gonçalo/ Fonte: Reprodução da Internet

Além da Ponte Rio-Niterói, existe um lugar. Uma cidade muito mencionada, mas pouco conhecida. Seu Jorge a leva para o Brasil e o mundo em seu repertório e, por isso, talvez você saiba o quanto o trânsito afeta a vida de seus moradores. Não se trata de um bairro de Niterói, ou ainda, de um município da Baixada Fluminense. Morando fora de São Gonçalo, você sabe como é?

São Gonçalo é um município rico. Rico de território, rico de paisagens, rico de recursos. E rico de gente. Ou melhor, rico do melhor tipo de gente: daquele que ama, que dá as mãos e vive a vida com alegria, mesmo quando não há motivos para sorrir. A décima-sexta maior população do país detém um potencial gigantesco e um percurso histórico importantíssimo para o entendimento das culturas gonçalense, fluminense e brasileira.

A cidade foi fundada em 1579 por Gonçalo Gonçalves, colonizador português, e assim foi nomeada pela devoção do sesmeiro ao santo católico São Gonçalo do Amarante. Porém, a sua história está diretamente vinculada à resistência indígena: a cultura e o legado dos povos Tamoios, que habitavam toda a região antes da chegada dos portugueses, são perceptíveis nos estabelecimentos e leituras locais.

Seu desmembramento foi realizado por jesuítas, instalados no que hoje seria o bairro do Colubandê, localizado próximo à rodovia RJ-104. Como em tantos outros territórios, a sede da sesmaria localizava-se às margens do Rio Imboaçu, que corta a cidade por cerca de 8km. Orbitando essas zonas, estão localizadas as principais construções coloniais da cidade, que teriam importância turística se assim fosse investido pela Prefeitura.

A partir do século XVIII, contando com uma população mais numerosa e com capelas religiosas instaladas, o território ampliou suas práticas econômicas: surgiram engenhos de açúcar e aguardente, sob utilização de mão de obra escravizada. Segundo o site da Prefeitura, cerca de 30 engenhos operavam em 1860. Outra atividade muito praticada era o comércio, devido à conexão com o litoral pela Baía de Guanabara.

No entanto, apesar da importância dos rios para o povoamento, foi ao redor da ferrovia, construída em 1890, que ocorreu a ocupação da cidade. Em razão do escoamento de café, as províncias do Rio de Janeiro foram cortadas por estradas de ferro, que, no caso de São Gonçalo, foi essencial para o crescimento urbano-populacional.

Somente a partir de 1922 que São Gonçalo foi elevado à condição de cidade. Hoje, ela abrange cinco distritos, em um território de mais de 249.000 km². Porém, é importante lembrar que, em 1943, foi perdido o Distrito de Itaipú, conhecido por suas belas praias como a de Itacoatiara, para Niterói.

Apesar do crescimento industrial registrado na década de 1940 e 1950, que empregou e trouxe muitos migrantes para a cidade, e a transformou no parque industrial mais importante do Estado, hoje São Gonçalo é considerado uma cidade-dormitório. Grande parte de sua população precisa se deslocar para trabalhar, principalmente em direção ao Rio de Janeiro.

Importante lembrar que a importância histórica de São Gonçalo não se restringe a economia. Uma das maiores contribuições de São Gonçalo à cultura brasileira está em ser o local de nascimento da Umbanda. O terreiro de Zélio de Moraes, localizado no bairro de Neves, promoveu as primeiras sessões no século XX. No entanto, durante o mandato da prefeita Aparecida Panisset, esse patrimônio foi demolido. É preciso lembrar que esta é a única manifestação religiosa integralmente brasileira e essa casa representaria a memória religiosa de um povo.

Assim, percebe-se que a cidade apresenta uma história longa, ainda pouco abordada, e sabe-se que menor ainda é sua divulgação para seu próprio povo. Reconhecer que o lugar onde se vive é compositor e participante de movimentos da história brasileira poderia elevar a consciência local e o interesse pelo lugar onde se vive. Por trás de toda a depreciação e humor que envolve falar de São Gonçalo, é notável o fato de que o gonçalense é resistência. Sob pouquíssimo investimento em cultura, em educação e em saúde, os seus moradores sempre se apresentaram em falta (e em busca).

Além da Ponte Rio-Niterói, existe um lugar. Um lugar que precisa se ver como parte da história e como produtor de cultura. Um lugar que precisa de atenção e investimento público. Um lugar que precisa se reconhecer. Um lugar que precisa notar que é bonito e tranquilo para, aí sim, sua gente lhe amar.