Talentos da favela: os tesouros que o asfalto ignora

Créditos: Julianne Gouveia / ANF

Poesia, verdade, realidade e olhos marejados. Numa semana de notícias difíceis para as favelas, com intensos conflitos e pelo menos 12 mortos, estar presente na abertura da Ocupação Que Legado, na quinta passada, foi um alívio em meio a tanta crueza. O Sarau do Alemão foi responsável por uma noite mágica, que tocou cada um dos convidados durante aquela noite memorável no Castelinho do Flamengo, Zona Sul do Rio.

Que bonito foi ver tantos artistas talentosos, que escrevem, declamam, cantam, tocam sem vergonha de mostrar suas ideias em um espaço de arte e cultura na área nobre da cidade (espaços estes onde, muitas vezes, os favelados normalmente não costumam ser bem-vindos). As minas do rap e do slum resistência Carol Dall Farra, Estefane Silva e MC Sabrina botaram pra quebrar com o empoderamento feminino negro de quem se recusa a abaixar a cabeça pras desigualdades e dar muito tapa na cara da sociedade. Do lado dos meninos, Aristênio Gomes, AL Neg, Matheus de Araújo e outros declamaram poesia e cantaram suas letras doídas, inspiradas na dura realidade dos Complexos do Alemão e da Maré. Pairando sobre os jovens, o cordelista veterano José Franklin declamou seus versos rápidos e certeiros para uma plateia simplesmente extasiada.

Ver a paixão e o orgulho daquela galera guerreira, que saiu do outro lado da cidade pra mostrar pro asfalto o que a favela tem de bom, foi muito inspirador. Muitas vezes, questiona-se os grupos periféricos e favelados que só passaram a ganhar atenção depois de virem pro asfalto – afinal, a mídia hegemônica só sobe o morro pra mostrar tragédia. O questionamento é importante, porém menor do que aquilo que é fundamental, de fato: vamos seguir ocupando tudo mesmo. Nossos produtores e artistas têm que botar o pé na porta e escancarar para a burguesia o quanto ela está errada por nos subestimar. Temos que estar presentes em todos os lugares onde entendemos, pelas conversas veladas e olhares tortos, que não somos bem-vindos. Temos que nos orgulhar destas joias aqui ainda escondidas, tesouros raros que eles, lá do outro lado, não fazem vaga ideia da existência.

Vida longa ao Sarau do Alemão! E um viva à Ocupação Que Legado, que ainda tem muita lenha pra queimar até 9 de abril. Avante!