Força, raça e coragem! Tainá de Paula

Créditos - Karen Melo

Tainá de Paula é força e coragem, mãe de Aurora de 4 anos, feminista, arquiteta e cria da Praça Seca é uma mulher  que luta para que todos tenham acesso à cidade. Seu sonho é ser governadora do estado e utilizar os espaços públicos abandonados, sobretudo, dentro da favela para gestão de governo, como é o caso do Teleférico da Providência.  “Um bom polo de controle da cidade.”

“O morador da cidade não pensa na favela, mas precisa entender que a cidade é a favela. A favela precisa ser vista.”

AVF- Em depoimento, você disse que sua bandeira como mulher e feminista não é apenas para um grupo, mas para todas as mulheres que têm as desigualdades jogadas sobre elas. Como mulher, feminista, negra e mãe quais são seus maiores desafios? 

TPA maternidade foi a grande resposta para esses questionamentos, até então eu não entendia. Até o momento da Aurora nascer, ter uma filha nesse sistema precário do SUS, uma máquina pública que te oprime enquanto mulher por completo por conta de um determinado padrão. Foi aí que eu entendi que eu não precisava seguir esse padrão, mas não adiantava apenas mudar a lógica de um olhar, eu precisava mover a estrutura por completo. Ou esse mundo vai ser feminista, negro, popular periférico ou não ia ter outra possibilidade.

Eu tinha muita dificuldade de me reivindicar como antipunitivista, principalmente quando a gente fala das violências que as mulheres passam e as mulheres presas colocam para a gente um exemplo bem concreto do que a sociedade faz aqui fora. Qual a diferença entre as mulheres encarceradas e as mulheres “livres”? Qual é a diferença de direitos das alegações das mulheres presas ou das mulheres livres? A única diferença é que estamos para além das grades. As opressões e a forma de importância nessa sociedade racista e machista são as mesmas. Quando pensamos na mulher favelada e periférica e sua expectativa de vida, de renda, social e na expectativa de mudanças na sua territorialidade, eu penso o quão difícil é ser mulher, o fato é que mulheres negras, faveladas, transitam menos pelas cidades e tem sua liberdade oprimida.

 

AVF -Você luta para que todos tenham direito à cidade e a mobilidade urbana.  A cidade do Rio de Janeiro é negada para que os moradores de favelas e periferias possam circular?

TP – O Rio de Janeiro foi pensado em Centro/Periferia desde a estruturação do bonde até a ampliação da rede ferroviária. O carioca só dorme e trabalha, ele não pode pensar em nada além disso. É também uma forma de racismo e preconceito territorial, quando nos tiram as linhas de ônibus, diminuem o número linhas na região da baixada ou a existência de uma linha no metrô que não vai diretamente à zona sul nos finais de semana, é obviamente um delimitador para a população das regiões menos favorecidas, é um recado dizendo: “olha você só precisa vir aqui para trabalhar, qualquer outra coisa além do trabalho não precisa”. Um exemplo claro e simples são as estações do metrô na zona sul e zona norte. Nas estações da zona sul tem ar-condicionado funcionando, escada rolante, serviço de qualidade; nas estações da zona norte não tem ar-condicionador, o serviço é precário etc. Por que essa distinção se é um transporte único e o valor é o mesmo para todos? Numa cidade como o Rio de Janeiro a gente enxerga a desigualdade racial de uma forma muito contundente, temos favelas no Rio de Janeiro com mais 70% de população negra (eu fico até arrepiada de falar). Isso é um Apartheid territorial demarcado fortemente. Eu tenho muita vontade de ver a minoria se transformando em maioria, não é normal quando temos uma cidade que é 25% formada por favelas e essas favelas não estão ocupando todos os espaços. Existe um descompasso entre representação e representados.

AVF – Você defende a ideia de debate mais qualificado nas questões de gênero e raça. O aumento de crimes de ódio é devido à falta de informação? Ou as pessoas têm medo de se expor sobre isso?

TP – Eu acho que falta de informação é “passada de pano”, porque as pessoas sabem. Nem todo mundo que votou no Bolsonaro é fascista. Mentira! Eu acho que o Brasil fez uma mistura do conservadorismo, o neopentecostal evangélico entrou nessa também com o racista, deu a mão ao militar e achou isso normal. Eu acho muito estranho um povo cristão abraçar o militarista, eu acho mais estranho ainda eles abraçarem promovedores de ódio. É um debate que eu quero fazer. Eu sou uma mulher cristã e fico muito incomodada com o discurso de ódio. Isso são doenças sociais, se a gente não fizer um enfretamento social, vamos ser destruídos a qualquer momento.

AVF – Você está à frente do projeto “Bairro a Bairro” que visa circular em todos os bairros do Rio, mostrando os problemas, como solucioná-los e seus custos.  Como esse projeto contempla as favelas?”

TP – É um grande debate que estamos criando, eu sou uma estudiosa do planejamento com a participação popular. No ponto de vista acadêmico, a arquitetura dos bairros foi pensada no ponto de vista teórico a partir dos olhares técnicos. É obvio que é um olhar importante, mas que não pode excluir a população. O Favela Bairro é um exemplo disso, ele multiplicou a quantidade de quadra de esporte nas favelas, mas essas eram as reais mudanças estruturais que as favelas precisavam? Em várias favelas, esses campos estão abandonados, não funcionou, não teve manutenção, não houve um estudo para a demanda dessa juventude. As dinâmicas territoriais são diferentes, tem uma favela que eu gosto muito de citar: a Fernão Cardim, que tem historicamente bairros que funcionam próximo a dinâmica da saída de um famoso shopping na zona norte. A rua do canal fica lotada e a quadra de esporte virou uma praça de alimentação, aquele arquiteto que fez o projeto ele está totalmente desconectado com a favela e sua leitura local. Então está provado que se eu não inserir a população nessa discussão dos projetos e na orientação das suas políticas eu não estarei beneficiando de forma correta esse território, a população precisa ser ouvida. Isso é um achismo de gestores públicos que não deram ouvidos a essa população. Nesse sentido, olhando e ouvindo a população, entendendo a demanda, discutindo essas carências, comecei a unir as redes e fazer esse levantamento.

AVF –  O ministro da educação Vélez Rodríguez declarou que “As universidades devem ficar reservadas para uma elite intelectual, que não é a mesma elite econômica [do país]”. Ele também defende a continuidade do enxugamento do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), iniciado já na gestão como alternativa econômica para aliviar os cofres públicos. Cria da Praça Seca, formada em Arquitetura pela UFRJ, como incentivar a juventude a ingressar na graduação?

TP – O racismo se dá na negação do negro de acessar outros espaços e um dos principais índices de desistência são os desestímulos das redes próximas, seja da família ou de um grupo próximo. Isso é preocupante e visa uma rede de aconselhamento e acolhimento da população negra universitária. Eu fui de uma época anterior a cota e lutei junto para a existência de tal. Eu passei por um período de muito estranhamento na vida universitária, eu fiz UFF na graduação depois mestrado da UFRJ. E a UFF é particularmente composta por uma elite branca do interior do estado, altamente rica, cheia de privilégios, na zona sul de Niterói e minha realidade era muito distinta. Eu saía cedo da Praça Seca, com todas as dificuldades de conseguir me manter, (ou passagem ou comida) tinha dias que eu não tinha dinheiro para o bandejão (quando era 70 centavos) e desmaiei. O processo é irreversível, a tomada de consciência é irreversível, a minha filha pode não ter cota ou o Sisu, mas ela será uma mulher negra insubmissa. Tivemos acesso a migalhas e eu não quero migalhas, quero um país onde negros, que são maioria, tenham o mesmo direito que os brancos.

AVF- Após as tragédias que aconteceram por conta das chuvas, que atingiu a Favela da Rocinha e Vidigal, você se pronunciou dizendo que “A gestão do prefeito Marcelo Crivella é precária, negligente e mal administrada.” Essas mortes poderiam ser evitadas?

TP – Eu estou até cansada de falar do Crivella, eu procuro, pesquiso e ele não acerta nenhuma. Ele empurra com a barriga, eu acredito que ele achava que não ia ganhar e ganhou! Mas como uma cidade como o Rio de Janeiro não dá para administrar assim. É óbvio que tinha como evitar. Precisava de um gerenciamento de risco, não adianta demarcar área de risco para tirar as pessoas e dá aluguel social, o que precisa fazer é um estudo mais aprofundado dessa área demarcada, assistência a essas pessoas como um todo entre outras coisas. Desde que o Crivella entrou não o vejo fazendo nada, são dois anos a frente da prefeitura, não se pode contar com a sorte, são de vidas que estamos falando, não existe fiscalização nessas áreas. Cadê a monitoração? Planos de contenção? Controle das associações? As sirenes não tocaram. O volume de água era maior que o esperado, foi avisado antes, todos sabiam e estava previsto. Não adianta culpabilizar as pessoas é dever da prefeitura, e o governador tentou lavar as mãos nesse momento jogando a culpa na prefeitura sendo que o estado tem sua parcela de culpa nisso também, é um despreparo e uma desimportância com a vida das pessoas. Gestão não é brincadeira! De Bolsonaro, Witzel à Crivella são gestões que atentam contra a integridade da vida das pessoas.

 Entrevista exibida no Jornal A Voz da Favela edição de março de 2019