Unidas pela poesia, as sarauzeiras oníricas recitam a vida

As sarauzeiras Maria Inês, Lindacy Menezes e Yolanda Soares. Imagem: Tarcísio Lima.

Nascidas no mesmo ano de 1962, Lindacy Menezes, Maria Inês e Yolanda Soares conheceram-se em 2012 através da FLUP (Festa Literária das Periferias), um sonho construído por Écio Salles e Júlio Ludemir. Como três atacantes, partes de um time que promove literatura e arte no Rio de Janeiro, jogam no papel as emoções, reflexões e lições que a vida lhes deu. “Meu sonho era ler”, disse Maria Inês, moradora da zona oeste, carioca, que morou durante anos nas ruas com a mãe deficiente física e o irmão, já falecido.

Aos 7 anos foi arrancada da família com a falsa promessa de um futuro melhor, sem fome. “Ali conheci o inferno”, resume a voz serena da mulher negra. Foi abusada sexualmente, voltou pra família. Conta que a mãe semianalfabeta escrevia na terra e prometeu-lhe ensinar o pouco que sabia. Aprendeu a ler aos nove anos de idade. Filha de pai ausente, é mãe presente na vida dos filhos e da poesia. Seu primeiro emprego foi aos 14 anos numa fábrica. Trabalhou como doméstica durante anos. Conheceu os livros depois de achar Esaú e Jacó, de Machado de Assis, no lixo. Através do Jornal Expresso descobriu a FLUP.

Já Yolanda nasceu na Penha, mora na zona norte e conheceu a poesia aos quatro anos através do pai alcoólatra que pedia a ela que recitasse versos para ele e os amigos. O pai morreu quando ela tinha seis anos, deixando mais sete filhos. Começou a trabalhar aos 13 anos. “Não tinha roupa, não tinha nada. Eu chorava, então peitei minha mãe e comecei a trabalhar.” Descobriu através do Google em 2008 um concurso literário na Bahia, enviou uma poesia que foi lançada em 2009 na Bienal do Rio em uma antologia. Conheceu a FLUP no Facebook através da publicação de uma amiga.

Nordestina arretada, baixinha que carrega o coração que não cabe no peito, com sorriso de estrelas, Lindacy é pernambucana, chegou ao Rio em 1976 com a esperança de uma vida melhor para ajudar a família. Começou a trabalhar aos nove anos como doméstica. Construiu sua casa na maior favela do Rio de Janeiro junto com o marido, onde vive até hoje. A FLUPP chegou como a maioria das notícias para as domésticas, pela televisão. “Me inscreve nesse negócio aí”, falou para a filha já que tinha o sonho de contar sua história.

Maria Inês, Yolanda e Lindacy nunca faltaram a um encontro da FLUP e já realizaram de forma independente mais de 50 saraus pela cidade. Em 2019, lançaram o livro “As Sarauzeiras Oníricas” com poemas que resumem a vida das três mulheres que têm muitas histórias para contar e que não cabem nestas linhas, mas que encontraram uma vida com sentido através das palavras.

***Texto em memória de Écio Salles, escritor e um dos maiores produtores culturais que o Rio de Janeiro conheceu, falecido em junho deste ano. “Realizador de sonhos”, como elas resumiram, Écio me permitiu sonhar e viver tendo a palavra como escudo e espada.

* Matéria publicada no jornal A Voz da Favela, Rio de Janeiro, novembro 2019.