Uma Paulistana no Andaraí

Créditos - Julianne Gonçalves

“No tempo que Don-don jogava no Andarahy
Nossa vida era mais simples de viver de viver
Não tinha tanto misere, nem tinha tanto ti ti ti
No tempo que Don-don jogava no Andarahy.” 

Zeca Pagodinho

Era difícil explicar onde eu morava, às vezes diziam “você mora na Tijuca”, outros diziam “Não, você mora em Vila Isabel” já minha conta de gás me dizia que eu morava no Grajaú, mas na verdade o Andaraí (Na grafia arcaica, escrevia-se “Andarahy”.) fica no intermédio desses três bairros, ele foi taxado a linha limite. Sobre esse bairro, é um dos mais antigos da cidade e posso dizer que seu nome tem origem indígena curiosa, significa Rio dos Morcegos na língua Tupi antiga. Bom, o Rio Joana continua aí(bem sujo pra ser sincera), já os morcegos não sei onde estão, provavelmente já foram dizimados pelo homem branco.

Eu pousei de paraquedas no Andaraí, foi uma mudança e adaptação muito rápida que eu tive que fazer e a primeira pergunta que eu e fiz foi “onde é que estão as casas?”. Bom, esse provavelmente na grande maioria das vezes deve ser o primeiro choque que o cidadão do interior de São Paulo tem quando vem estudar no grande Rio de Janeiro, pois lá as casas são uma do ladinho da outra, portões coloridos, varandinhas e aqui no Andará só tenho prédios, prédios e sempre um comércio debaixo do prédio. Não é ruim viver cercada de prédios, inclusive é favorável dizer que eu moro em um, mas foi algo novo sob meu olhar. O Andaraí é um bairro bom, movimentado, mas ao mesmo tempo tranquilo, exceto pelos foguetes doidos dos torcedores de futebol.

Deixemos a arquitetura e vamos falar sobre as atrações do Andaraí, que não são muitas, mas existem, então podemos começar pela maior delas: o Guanabara. Eu poderia escrever um livro de Antropologia sobre o mercado Guanabara, aquele amontoado de gente feroz no aniversário Guanabara, dispostos a enfrentar bravamente um outro para entrar na fila e pelos menores preços. O interessante não é só o mercado, mas sim as pessoas que o rodeiam, sempre há morador esperançoso na porta esperando por alguma coisa, um vendedor de cocada e frutas que tenta fazer um preço melhor para ganhar sua renda, o garoto que quer umas moedinhas para te ajudar com os carrinhos de compra. Temos também a loja de artigos religiosos que tem um cheiro único, a sorveteria com açaí barato, a feira que tem o melhor pastel de camarão e o estabelecimento em que os catadores de lixo entregam seu material para receber algo.

O Andaraí não é um bairro pobre, mas não é impossível ver a pobreza nele. Existe o Morro do Andaraí, o morro no qual eu não entrei direito, mas o pouco que entrei, já pude ver, que são eles que descem para ganhar a vida aqui embaixo, seja as moças e suas crianças quem vem pegar a cesta básica na igreja, seja o vendedor ou os catadores de lixo que brigam na praça em frente a minha casa, são os rostos deles que estavam lá no morro, a mesma gente. Foi o Andaraí que me ensinou que no Rio de Janeiro tem criança de 9, 10 anos que não frequenta escola, porque eu vi um filho ajudar a mãe a recolher papelão na praça, no horário que ele deveria estar estudando, mas para ele e a mãe, o mais importante é chegar em casa e ter o que comer.

Por fim, o que me vem agora é como dar voz a eles? Porque os moradores do Andaraí já tem voz, a voz nos seus trabalhos, nos seus condomínios fechados e seguros, mas o Morro do Andaraí ainda não tem. O grande desafio é chegar, é adentrar o morro e as pessoas, é aprender com elas, é saber ir além no meu próprio bairro, no lugar onde vivo. Eu sou uma pessoa bem religiosa, acredito que saí do interior e não foi em vão, que Deus vai me ensinar algo. O Andaraí, o Rio de Janeiro já me ensinou muito e olha que isso é só o começo.