Somos todos tribais

Todos nós vivemos numa tribo. A tribo que nos engloba chama-se tribo humanidade. Da tal humanidade que nos uniu surgiu a tribo continente, do continente surgiu a tribo nação, da tribo nação nasceu a tribo estado, da tribo estado veio a tribo cidade, da tribo cidade seguimos para a tribo bairro, da tribo bairro nos dividimos em outras tribos, tais como tribo religião, tribo time de futebol, tribo escola, tribo trabalho, tribo escola de samba, tribo indígena, tribo urbana e tribo afinidade política. Eu, por exemplo, me insiro em algumas tribos: tribo socialista, tribo flamenguista, tribo poesia, tribo favela e tribo malandragem. E a mais importante de todas: tribo honestidade.

Mas a que tribo do Rock In Rio você pertence? Num dos maiores festivais de música do mundo há várias tribos, da tribo heavy metal à tribo do funk, da tribo samba à tribo hip-hop. Uma tribo convive com a outro lado a lado, na maior paz. E claro, no maior amor. O amor que une cada um que por aqui passa é o amor pela música, pelos acordes e acordos de civilização. As camisas e as cores são as bandeiras que cada um usa para dizer para o outro que a nota que move cada um não são as notas monetárias, mas as notas musicais. Tem aqui aquele que adora o som pesado do Iron Maiden, mas também tem quem curta o som e o tom das músicas da Bahia ou o som pancadão e as as luzes do Palco Eletrônico do New Dance Order. A felicidade é o ápice do encontro de todas as tribos. Aqui viver com a diferença é compreender a interdependência de um e do outro. Aqui somos todos tribais!

E o fantástico de tudo isso é ver um metaleiro assistindo a mana MC Martina do Complexo do Alemão soltando o verbo no Espaço Favela. E falando em verbo, foi isso que assisti nestes cinco dias de performances no palco-pulsação-rebeldia que remonta o cenário de um morro que faz dos versos seu pertencimento neste mundo avesso as diferenças. E o morro – assim como o samba – agoniza, mas não morre. E não morre porque morro é verbo, é verso e é poesia do universo que contorna cada esquina a tribo chamada Rio de Janeiro.

O mundo moderno embaralhou todas as cartas e nos deu um xeque-mate ao criar novas tribos virtuais e, para piorar, criou a tribo fake news. Aí descobrimos que a verdade não é o que vemos, mas no que cremos. Mudaram toda a prosa de nossa existência e o verbo se transformou em verba daqueles que odeiam os renegados pelo mundo. O cifrão da grana vale mais do que a cifra da música que toca os corações apaixonados, mas eis que a Cidade do Rock consegue trazer a magia e o poder de um mundo possível onde todas as tribos se encontram e se respeitam. A música age em cada um de nós com a alquimia da cura e da procura, da junção e da conjunção, das línguas e das linguagens, dos sons e dos tons, das cores e dos odores, dos sabores e dos amores, das tribos e da universalização de um mundo que canta e se encanta naquilo que tem duplo sentido: acorde! Seja ele acorde musical ou acorde para viver a última aventura humana na terra.

Acorde aqui é nota, acorde aqui é grito de esperança num mundo onde a crença do outro não inutilize a crença daqueles que apostam na diferença.