RELATO DA AUDIÊNCIA PÚBLICA DA COMISSÃO DE EDUCAÇÃO DA ALERJ

Por Filipe Ceppas

Este é um pequeno relato da Audiência Pública da Comissão de Educação da Alerj, ocorrida em 14 de dezembro, onde o Secretário de Educação do Estado do Rio apresentou seu balanço da gestão 2011. Estavam presentes os  deputados Comte Bittencourt, presidente da comissão, os deputados Robson Leite e Marcelo Freixo, dentre outros.

O Deputado Comte Bittencourt começou expondo alguns problemas que a comissão encontrou recentemente na rede. A rede está sem orientadores tecnológicos. Em 90% das escolas, os laboratórios de informática que existem estão fechados e os equipamentos que existem, sem uso. A escola estadual Enrich Heine de Santa Cruz, apresentada pela seeduc como modelo, inaugurou o ano com um laboratório de química. Logo após o início das aulas, o laboratório sumiu da escola e retornou apenas no final do ano. O dinheiro destinado à merenda do Rio é dos mais baixos do país. Dentre outros problemas, o mais urgente era o fechamento das escolas compartilhadas, que abrigam sobretudo cursos de EJA noturno.

O secretário falou durante mais de uma hora e meia. Começou falando de infraestrutura e apenas no quinto e último ponto falou sobre o magistério, centrando seu discurso nas premiações promovidas para os alunos que se saem bem no Saerj.

Em sua fala, o secretário foi extremamente infeliz ao tratar a questão das licenças, sugerindo que a maioria dos professores tira licença para não dar aula. Ele mostrou um quadro indicando que as licenças aumentam em período de aula e diminuem no período das férias. Por que será, secretário? É porque os professores são vagabundos e não querem trabalhar? Ou não será antes porque a maioria encontra-se no limite de suas capacidades e com sua saúde, física, mental e emocional, prejudicada?

O secretário foi infeliz também ao dizer que os professores que boicotam o saerj/saerjinho estão boicotando o direito dos jovens de terem o sistema avaliado e corrigido. O secretário afirmou que o boicote impede que os alunos possam ser motivados e usufruir de momentos de premiação, como ganhar laptops e fazer excursões culturais, prêmios dados aos alunos que se saem melhor no Saerj. Ora, secretário, ninguém é contra mecanismos diagnósticos, somos contra um sistema implantado com a lógica da premiação e da punição. Consideramos que essa é uma visão estreita e empresarial de educação, contrária a uma política de Estado minimamente responsável, que deveria ser ela mesma educativa, visando uma sociedade menos competitiva, mais justa e solidária.

O secretário foi extremamente infeliz, por fim, ao dizer que a relação de alunos/professor no Estado do Rio é a menor do país; e ainda mais infeliz ao dizer que o fechamento das escolas e a transferência de alunos e professores levadas a cabo se justificam pela existência de turmas com apenas um ou dois alunos e de um grande número de “alunos fantasmas”.

Como notou um representante do SEPE, na audiência, a carga horária do professor do Estado é de 16 horas, enquanto a do resto do país é de 30 horas. É óbvio, portanto, que, em números absolutos, há menos alunos por professor, o que não reflete a situação real das salas de aula. A situação do fechamento das escolas é gravíssima. Ao invés de se perguntar porque há baixo número de alunos em turmas, sobretudo no EJA noturno, e pensar em soluções para facilitar a entrada de mais alunos, a Seeduc está fechando escolas e transferindo professores e alunos para escolas longe de suas residências, dificultando ainda mais o acesso a essa modalidade de ensino. Pior, as regionais sequer sabem para onde encaminhar os professores que encontram as lotações nas escolas mais próximas já preenchidas, e é dito a eles que o secretário irá resolver os problemas “caso a caso” (uma piada de mal gosto).

Uma antiga diretora de uma das escolas fechadas fez um depoimento emocionante, destacando a diminuição da carga horária de filosofia e sociologia como uma medida que, junto com o fechamento das escolas, revela a verdadeira preocupação da secretaria: economia. Ela falou que as escolas compartilhadas foi uma solução precária e provisória, que acabou tornando-se definitiva e deveria, sim, ser revista. Mas o fechamento dessas escolas, tal como vem sendo feito, é uma medida que se preocupa apenas com a economia e a racionalização do sistema e não com os professores e alunos.

É evidente que a secretaria não está minimamente preocupada em desenvolver uma política em colaboração com os professores, funcionários e alunos da rede. Ao contrário, o discurso de culpabilização e desqualificação dos professores é gritante e espantoso. Pela “lógica” do  secretário, quem não colabora com a política meritocrática é porque está contra um projeto que visa modernizar e racionalizar o sistema, e está contra os alunos… Mas quem está contra os alunos é quem, hoje, dá de presente de natal a dezenas de alunos, das 48 escolas que estão sendo fechadas, um desestímulo a mais, em muitos casos definitivo, para enfrentar o para eles já dificílimo desafio de frequentar a escola e estudar.

A seeduc está impondo a lógica da premiação e da punição como modelo educacional para melhorar o ensino médio do estado. O secretário  apresentou inúmeros quadros e tabelas sobre a verba da secretaria, investimentos, etc. como se a educação no Estado do Rio estivesse melhorando muito, com novas escolas, reformas, convênios, projetos, etc. Como se estivéssemos no melhor dos mundos possíveis, o que não corresponde em nada à percepção dos alunos, funcionários e professores. Um exemplo flagrante da contradição entre o discurso e a prática: o secretário disse que desconhecia a situação da escola Enrich Heine, embora a denúncia sobre o que lá ocorreu tenha sido há meses encaminhada e protocolada pelo SEPE. O exemplo é paradigmático, porque se trata de uma “escola modelo”.

Na audiência, o SEPE apresentou, ainda, grave denúncia sobre professores que participaram ativamente da última greve e que estão sendo perseguidos, afastados de suas escolas.

O secretário, apesar de não conhecer patavinas do mundo da educação, sabe muito bem que uma política educacional construída na base do confronto e da culpabilização dos professores é inviável. Mas ele não está preocupado com isso e não chegou onde chegou por suas qualidades de pessoa dedicada às questões da educação. Ele é um empresário, “gestor de negócios”, conhecido por ter modernizado o RioPrevidência. A diminuição da carga horária das disciplinas de filosofia e sociologia e o fechamento das escolas são medidas que fazem parte de uma política de “gestão de negócios” e que visa apenas uma coisa: economia. É um escândalo, inaceitável.

Existe corporativismo entre os professores, ineficiência e resistência ideológica? É claro que sim, como em qualquer área. Assim como existem milhares de professores dedicados, competentes, que enfrentam todo tipo de adversidade por compromisso com a educação, por amor à profissão e aos alunos. Mas o x do problema na educação, secretário, não é esse. Ele continua sendo um salário horrível, péssimas condições de trabalho e sobretudo políticas equivocadas, até porque se acredita poder vencer as resistências de modo autoritário. Má notícia, secretário: Sua Excelência só está conseguindo ampliar e fortalecer a resistência!

Uma política de estado para a educação, minimamente decente, tem que ser uma construção coletiva, de baixo para cima, tem que valorizar o dissenso e desativar os corporativismos e resistências com participação, diálogo, democracia, muita negociação. E pressupõe, acima de tudo, uma concepção em que educação não é moeda, não é premiação dos melhores, modelo que já se mostrou desastroso em todos os lugares em que foi adotado.