Rede de comunicadores comunitários unida para se fortalecer

Créditos - Gracilene Firmino

Vivemos um momento de desafios e incertezas, em relação à forma como poderemos expressar nossas opiniões nos meios de comunicação, principalmente nas mídias alternativas e comunitárias, como nós da ANF e tantas outras agências feitas por moradores de favelas e que querem mostrar sua realidade, diferente do que se passa na mídia tradicional.

Tendo em vista essa discussão, promovemos o Encontro de Comunicação Comunitária. O evento aconteceu sábado (16), na Escola de Comunicação da UFRJ, e foi um sábado inteiro de mesas de debates acerca dos principais desafios que enfrentaremos, tanto como produtores quanto consumidores de informação. Contou com a presença de vários convidados especiais e relacionados com essa luta, e que batalham diariamente pelo seu espaço e visibilidade.

A primeira mesa buscou discutir a atuação do comunicador enquanto defensor dos direitos humanos. Com a mediação de Simone Menezes (ANF), nela estavam Ivana Bentes (professora da UFRJ e atuante nas questões relacionadas ao papel da comunicação), Gizele Martins (jornalista do jornal “O Cidadão”), Raull Santiago (ativista do coletivo Papo Reto) e Alan Brum (coordenador do Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Complexo do Alemão – CEPEDOCA).

Integrantes da primeira mesa: Ivana, Gizele, Simone, Raull e Alan. Créditos- Gracilene Firmino

A conversa girou em torno do papel fundamental da pauta dos direitos humanos e sua defesa conjunta para obtermos resultados. “É importantíssimo misturar a técnica com o ideológico. A gente tem um lado sim, e é o dos direitos humanos, para nos protegermos conjuntamente. Trata-se também de disputar o nosso lugar e mostrar que estamos ali”, disse Gizele. 

Um dos principais desafios é levar essa discussão para dentro das favelas, que é onde ela mais precisa chegar. “É preciso haver vozes articuladas nesse momento, para que as mídias comunitárias cheguem onde devem, e de fato funcionem. Que hajam mais e mais mídias, para termos fala política”, disse Ivana.  “É preciso compartilhar isso tudo na periferia. A missão é expandir o campo de visão das pessoas que vivem ali na realidade”, reforçou Raull. “É um ato do dia-a-dia, acompanhando o cotidiano das favelas. Lá é o local de discussão e diálogo, para construir conhecimento”, completou Alan.

A segunda mesa discutiu sobre sustentabilidade e comunicação comunitária. Mediada por Eliana Mara (ANF), contou com a participação de André Fernandes (fundador e diretor da ANF) e Rene Silva (fundador, diretor e editor chefe do jornal “A Voz das Comunidades”).

Integrantes da segunda mesa: Rene, Eliana e André. Créditos – Gracilene Firmino

Rene falou de vários projetos que trabalham com publicidade feita para moradores locais (no Alemão). Além disso, revelou em primeira mão que há projetos com grandes empresas para criar espaços, como a nova “Casa Voz”, para capacitar pessoas em diferentes modalidades.

“Empresários de pequeno e médio porte querem voz e procuram selos de responsabilidade social. É necessário as pessoas se entenderem, essa proximidade tem uma diferenciação muito grande. As pessoas que podem contribuir podem estar mais perto do que a gente pensa. As empresas contribuem para o nosso jornal”, disse Rene.

André contou um pouco sobre a experiência da ANF e a dificuldade que os meios tem de conseguir fundos e investimento: “Tem teóricos que passam a ideia que não se pode ter publicidade e uma pegada comercial na comunicação comunitária. Supostamente, a gente tem um papel contra-hegemônico, mas apenas no campo ideológico. Por que não podemos partir para os números e ter uma rádio comercial na favela, um jornal de alcance nacional, uma TV nossa? A gente precisa de dinheiro, ter um pouco de mente de empresário, para poder manter as nossas equipes e continuar crescendo.”

Integrantes da terceira mesa: Tiago, Tainá, Adair e Ana. Créditos – Gracilene Firmino

A terceira mesa foi para discutir os desafios da comunicação comunitária frente às novas gestões municipal, estadual e presidencial. Mediada por Tainá de Paula (arquiteta e urbanista), contou com a participação de Adair Leonardo Rocha (professor do departamento de comunicação social da PUC-RJ e da UERJ), Tiago Firmino (comunicador comunitário e fundador do Favela Marta Tour) e Ana Muza Cipriano (fundadora do PPG Informativo, meio de comunicação das comunidades Pavão-Pavãozinho e Cantagalo).

Adair fez alguns resgates teóricos e destacou as lutas que enfrentaremos com as novas lideranças do nosso contexto. Além de tudo, é um tempo de conscientização e mudança de atitude em relação a várias problemas. “Não dá para aceitar a desigualdade. A ideia de tolerância acaba mascarando a verdadeira democracia, porque deixa se entender que há algo mais importante.A compreensão de coletivo prejudica as individualidades. Um dos desafios da esquerda é compreender cada um.”

Ana e Tiago destacaram as experiências em suas comunidades. “O PPG informativo tem muito mais potência do que se dependesse de autoridades. A gente bota na cabeça do morador que a gente precisa começar. Não dá para esperar algo só de quem está e fora. Voz a gente tem, mas temos que ocupar os espaços”, disse Ana. 

Tiago contou bastante sobre como ele trabalha com a comunicação no Santa Marta, e também com o turismo. Já fizeram várias matérias para grandes mídias, ganhando certo destaque. “Sou muito comunicativo. Tento me articular de todas as maneiras. Quando fiquei parado por um tempo, até me cobraram”, disse Tiago. “A gente não tem jornal, mas usa o Whatsapp para se comunicar. Sempre tem um jeito, o importante é estar em contato, de maneira organizada”.

Santini e André falando sobre o Congresso. Créditos – Gracilene Firmino

A última mesa do evento teve o intuito de começar o processo de definição de delegados para o IV Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária. O evento acontecerá na Argentina, de 10 a 17 de maio deste ano. A mesa contou com a presença de André Fernandes e Alexandre Santini (diretor do Teatro Popular Oscar Niemeyer e especialista em Políticas Públicas em Cultura). Eles contaram algumas experiência dos outros congressos e reforçaram a necessidade de compromisso com os eventos de preparação e presença a partir de agora.

“O Congresso um espaço aberto de debate de vários temas específicos e intercâmbio de experiências. Você vai encontrar pessoas de diferentes partes do mundo que fazem o que você faz, cada um com um nível de experiência variado e que devem ser respeitadas. Dessa forma, é possível conseguir até firmar parcerias”, definiu Santini.

Como você pode ler, foi um dia bem produtivo e cheio de discussões bem pertinentes acerca dos desafios que encararemos. Todas as conversas foram construtivas e contaram com presença e comentários do público. Saímos mais fortalecidos e determinados. É o melhor momento de continuar a luta, e seguir firmes na missão de democratizar a informação para todos, levando a verdade para dentro das favelas e para fora.