Procuradores de quatro estados pedem fim do uso de cloroquina na Covid19

Foto ilustrativa - Miguel Padriñán/Pixabay

Procuradores da República em São Paulo, Sergipe, Rio de Janeiro e Pernambuco recomendam a suspensão da nota informativa com orientações para o manuseio medicamentoso de pacientes diagnosticados com Covid-19, lançada no dia 20 passado. A recomendação será enviada ao Ministério da Saúde.

No último dia 22 foram publicados na revista médica britânica “The Lancet” os resultados de uma nova pesquisa sobre o uso de cloroquina e hidroxicloroquina em pacientes com Covid-19, baseada em dados internacionais de hospitais com registros eletrônicos, incluindo 96.032 pacientes. Além de não constatar benefício, o estudo verificou que o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina com ou sem macrolídeo (antibiótico) está associado ao aumento das taxas de mortalidade e arritmias cardíacas em pacientes hospitalizados com Covid-19.

A Organização Mundial da Saúde suspendeu os ensaios clínicos sob sua coordenação em todo o mundo até a confirmação de que essas drogas são seguras e levou à mudança da recomendação da entidade para o tratamento da doença em 27 de maio.

A decisão da OMS levou em conta o princípio da precaução, empregado quando há dúvida científica sobre potenciais danos graves e irreparáveis. Esse princípio também tem sido aplicado pela jurisprudência brasileira. Em voto no julgamento recente de medidas cautelares de ações diretas de inconstitucionalidade (números 6421, 6422, 6424, 6425, 6427, 6428 e 6431), o ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, afirmou que a crise gerada pela pandemia impacta o ordenamento jurídico e há aspectos preocupantes, como a “utilização de determinados medicamentos, de eficácia ou segurança ainda controvertidas na comunidade científica, para o combate à enfermidade, como é o caso da hidroxicloroquina”.

Os procuradores manifestam preocupação também com o fato de que não foi respeitado o processo legal de registro dos medicamentos na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e de incorporação de tecnologia no Sistema Único de Saúde (SUS), sem a necessária avaliação. Tanto a cloroquina como a hidroxicloroquina são empregadas há muitos anos no tratamento de diversas enfermidades, mas não de Covid-19. Em razão da pandemia, a Anvisa publicou uma resolução definindo critérios e procedimentos extraordinários para medicamentos específicos para pessoas infectadas com coronavírus, incluindo regulamentação temporária de novas indicações terapêuticas para remédios já existentes. As duas substâncias ganharam aval da agência para o uso em pacientes graves por uso compassivo. O Ministério da Saúde, porém, expandiu a indicação para casos leves e moderados.

Na avaliação do MPF, essa nova abordagem não atende aos critérios mínimos de segurança e eficácia e do monitoramento dos pacientes durante o uso, estabelecidos na resolução da agência. Para a incorporação no SUS dos medicamentos também há mecanismo para análise célere pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS – Conitec, mas que exige a análise da eficácia, segurança e custo-efetividade.

Os procuradores alertam ainda para outro problema grave para a implementação das orientações do Ministério da Saúde: a falta de testes. De acordo com a nota informativa, apenas pacientes que testarem positivo para coronavírus devem ser tratados com cloroquina ou hidroxicloroquina, mas o plano de testagem nacional não é capaz de atender a demanda no início dos sintomas, é suficiente somente para testagem dos casos graves.

O SUS também não possui capacidade para realizar o monitoramento adequado das pessoas tratadas com esses medicamentos. Para a Sociedade Brasileira de Cardiologia, em alguns casos são necessários pelo menos três eletrocardiogramas durante o tratamento. Se o paciente não está internado, esse acompanhamento torna-se mais difícil e o expõe ao risco das reações adversas.

Os procuradores encaminharam também ofícios à Anvisa e ao Conselho Federal de Medicina, pedindo esclarecimentos sobre a revisão das autorizações com base na publicação de novo estudo e das orientações da OMS, e representação ao Tribunal de Contas da União (TCU) para suspensão da nota informativa sobre o uso da cloroquina e hidroxicloroquina.

(Com informações do MPF-SP)