Por uma apropriação e emancipação educacional constante: relato autobiográfico – Parte 2

Eu me chamo Rafael Jullian Oliveira do Nascimento, mais conhecido como Juju. Estou com 28 anos de idade. Eu nasci e vivo em um bairro periférico da cidade de Natal, no Estado do Rio Grande do Norte (RN), chamado Guarapes.

Este bairro é um dos bairros mais distante dos centros urbanos da cidade, onde uma parte do território do bairro é administrado pela Prefeitura de Natal e a outra parte do território é administrado pela Prefeitura de Macaíba.

No entanto, ambos os territórios são esquecidos em relação a existência de políticas públicas. Além disso, o bairro é caracterizado por ser um ambiente com diversos tipos de vulnerabilidades sociais: intolerância religiosa, LGBTfobia, tráfico de drogas, machismo, misoginia, patriarcado, prostituição, baixo índice de escolaridade e muitos outros fatores.

Então, eu cresci em um ambiente e em um lar com um pai que é vítima do machismo, patriarcado, misógino e LGBTfóbico; que são oriundos de sua criação. Mas, diante de todas as circunstâncias eu tenho uma mãe que sempre me serve de referência para emancipação intelectual, mesmo ela só tendo terminado o Ensino Médio.

Foi ela que se esforçou nas lutas diárias com a Secretaria Municipal de Educação junto com a ex-secretária da Escola Municipal Francisco Varela Cavalcante, escola do meu bairro, para conseguir uma vaga na Escola Municipal 4º Centenário, referência em educação do Ensino Fundamental na cidade; e ela conseguiu.

Mesmo tendo estudado nesta escola, eu não consegui entrar no CEFET (que atualmente são os Institutos Federais – IF’s) e por isso eu tive que fazer o meu Ensino Médio na Escola Estadual Professor Anísio Teixeira. O ensino não era um dos melhores, mas era uma das poucas escolas estaduais que possuía o quadro de professores do ensino médio de forma completa ou pelo menos tentava.

Processo de Emancipação

Tentei o vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) para o curso de Ciência da Computação, mas não obtive êxito. Mas, graças ao programa de cotas sociais para alunos que estudaram todo o ensino médio em escola pública, que a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) havia implementado, eu consegui uma vaga para o mesmo curso em uma universidade pública.

Ali, foi onde eu comecei enxergar que eu conseguia realizar o meu sonho de criança, Ser Cientista. Porém, não saberia que descobria um outro talento, Ser Educador.

Foi na UERN, que mesmo sem computador pessoal nos primeiros anos de curso e dependendo do dinheiro do Bolsa Família para comprar as minhas passagens de ônibus, que eu fui me construindo e me emancipando e ganhando forma na minha identidade como pessoa.

Da UERN eu fiz o meu segundo lar, vivendo uma vida universitária. Participando de estágios, monitorias, projetos de pesquisas. Tudo isso foi me ajudando a descobrir um motivo existencial em minha vida, defender e propagar uma Educação Pública de qualidade e os benefícios da Ciência para a sociedade.

Além disso, fui um dos primeiros jovens do meu bairro a conseguir se apropriar de um ambiente universitário e estudar em uma universidade pública. Foi também na graduação que comecei a tomar consciência do meu processo de emancipação na orientação sexual.

Porque ser homossexual assumido em cursos de computação naquele tempo, era desafiador, sendo vítima de discriminação e preconceito.

Início das atividades como Ativista Científico

Depois fui fazer Mestrado em Ciência da Computação também pela UERN, mas na cidade de Mossoró e no Campus Central da UERN; lugar que acolhe alunos de várias regiões do RN e de outros estados. Mas só consegui fazer mestrado em outra cidade graças a bolsa de pós-graduação da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Uma bolsa de auxílio financeiro para ajudar nas despesas, pois a minha família não tinha condições de me ajudar.

Crédito: Arquivo pessoal

Aqui, me tornei ativista científico e comecei a tomar consciência da importância na manutenção de políticas públicas para uma Educação Pública de qualidade e ampliando o acesso a pessoas de baixa renda no ambiente universitário. No mestrado, eu fiz estágio de docência, fui avaliador em feiras ciências em escolas públicas. Ao término do meu mestrado, eu retornei para Natal para dar continuidade ao meu processo de emancipação social e apropriação de novos espaços.

Atualmente, eu estou fazendo Doutorado em Ciência da Computação pela UFRN, onde também só tenho estado aqui por causa de bolsa de Demanda Social da CAPES. Uma vez que, em muitos programas de pós-graduação, não é permitido trabalhar para poder se dedicar exclusivamente à pós-graduação. Tenho continuado o meu ativismo político nas pautas da Ciência e Educação, dos direitos LGBT’s em coletivos de partidos políticos e em comunidades religiosas.

Por um processo de emancipação constante

Recentemente, fiz uma viagem à Salvador para apresentar um trabalho fruto de pesquisas no Doutorado em uma Conferência Internacional (sim, teve jovem de bairro periférico da cidade de Natal em evento internacional).

Inclusive, tive a oportunidade de conhecer uma das sedes da ONG Agência de Notícias das Favelas (ANF), que tem trabalhado com a emancipação da comunicação nas favelas, e ajudado as comunidades e se apropriar dos meios de comunicação para mostrar os seus valores e o quanto de coisa boa e de bons exemplos são produzidos nas comunidades.

Então, eu resolvi aceitar colaborar com a ANF e através deste texto estou dando emancipação a minha voz e mostrando a importância de políticas públicas educacionais como instrumentos de transformação e emancipação social, ajudando as pessoas a se apropriarem de espaços antes ainda não conquistados até mesmo por elas mesmas.

Crédito: Paulo de Almeida Filho/ ANF

Concluo dizendo que este processo de emancipação e apropriação não é uma tarefa fácil e não se faz de maneira instantânea, pode até mesmo durar uma vida inteira. Onde muitas das vezes você precisa da ajuda de várias e várias pessoas, colaborando todos os dias ou em várias fazes de sua vida.

Que acredite na educação como objeto de transformação social e acima de tudo, como objeto de transformação do interior humano.

“Ninguém nasce feito, é experimentando-nos no mundo que nós nos fazemos.”

Paulo Freire