Por que não existem negros em La Casa de Papel?

Um dos maiores sucessos e nome certo em maratonas de séries dos últimos tempos é o fenômeno La Casa de Papel. Hoje, é impossível ir numa festa à fantasia sem que tenha alguém com um macacão vermelho e uma máscara de Salvador Dali.

A série se tornou tão popular que a Netflix, distribuidora das primeiras temporadas, resolveu fazer uma terceira e continuar uma história que, sinceramente, já havia terminado em grande estilo.

Essa terceira temporada, produzida pelo streaming, tem a chance de corrigir alguns erros da primeira e segunda; o roteiro de novela, alguns comportamentos irreais dos personagens, a aleatoriedade de algumas descobertas e, principalmente, o fato de não ter nenhum negro na série espanhola.

Mas, vem cá, não ter negros é um erro? Sim, é um erro.

O American Journal ofHuman Genetic afirma que a Espanha tem uma população de 30% que descende do Oriente Médio e do noroeste da África. La Casa de Papel não se passa em um só ambiente ou retrata somente uma classe social espanhola, ela passeia por diversas camadas sociais a partir da execução do plano de seus personagens.

Há uma verdade e, por mais doída que seja, ela é uma verdade; negros compõem as classes médias e baixas da maioria dos países. “Ahhhh, mas eu conheço um negro rico e ele… ” Toda vez que se usa uma exceção como exemplo significa que você está confirmando a regra, então pulemos essa parte.

Uma vez que ela apresenta estudantes, funcionários da casa da moeda, policiais, enfermeiros, etc, é muito curioso que nenhum negro na Espanha desempenhe alguma dessas funções, muito curioso mesmo.

O advogado Aitor Gorrotxategi Cortina escreveu um artigo onde afirma que a estratégia da Espanha para combater o racismo é fingir que ele não existe. É o argumento de que numa sociedade sem negros não há racismo (bem óbvio, não?).

A questão é que na Espanha, diferentemente do que mostra a série, negros existem. Em 2018, uma criança negra espanhola foi impedida de usar os brinquedos do parque por outras crianças brancas. Já que não havia algum motivo aparente que motivasse aquele comportamento, fica notório o que levou os menores a agirem assim: elas são crianças e racistas. E o que La Casa de Papel tem aver com isso?

Um produto audiovisual que se predispõe a contar uma história possível tem a grande responsabilidade de apresentar ao seu público um pedaço da realidade transformada em ficção. A verdade é que mesmo sem querer (ou querendo) La Casa de Papel reforça uma ferida aberta na população espanhola e, pior, torna essa ferida mundial quando atrai pessoas que pensam que reclamar da ausência de negros numa série é mimimi.

Apresentar negros limpando o chão da casa da moeda também não seria a melhor das soluções, mas apagá-los” fingindo que eles não existem é ainda pior.

A série continua sendo muito boa (a segunda temporada nem tanto) e eu assistirei a terceira torcendo para que o Professor consiga atingir seus objetivos. Só que dessa vez me interessarei menos pelos brancos ladrões de banco e torcerei pela busca da consciência social dos diretores e produtores da série.

Grandes poderes trazem grandes responsabilidades. BellaCiao. #WakandaForever.

* Matéria publicada no Jornal A Voz da Favela, Salvador, edição de dezembro 2019

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Anderson Shon
Graduado em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda pela Faculdade da Cidade do Salvador, Anderson Shon, atualmente, é professor do Centro de Educação Ávila Góis, professor - Canto de Estudo, professor do Instituto Bom Aluno da Bahia e professor - Educandário Helita Vieira. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Anderson Mariano é escritor e professor. Lançou o livro Um Poeta Crônico no final de 2013 e, desde lá, já apareceu em coletâneas de poesia e de contos. Já ministrou oficinas em diversas feiras literárias da Bahia e é figura certa nos saraus de Salvador. É apaixonado por literatura e produz contos para abastecer o andersonshon.com. Em 2019, lançou o Outro Poeta Crônico, continuando sua jornada no mundo da literatura. Além de escritor, Anderson Shon é professor de redação e escrita criativa, sendo o professor com maior número de alunos premiados no Concurso de Escritores Escolares e, em 2018, lançou um livros de contos e poesias com os alunos do colégio estadual Conselheiro Vicente Pacheco do bairro de Dom Avelar. Anderson entende que ser professor não é uma profissão, é uma missão e que os livros são os melhores amigos que um estudante pode ter.