Por que fechamos os olhos ao “apartheid social” brasileiro?

Crédito: Reprodução internet.

Na última semana, o “apartheid social” se exibiu na minha frente com sua melhor roupa e não fez questão de suavizar a opressão. Estive em Brasília a trabalho e em Búzios a passeio. Dois lugares distantes mais de mil quilômetros um do outro, algumas afinidades pulsavam. Mas a maior delas era a cor das pessoas que as ocupavam.

Quando falo de Búzios, neste momento me refiro à famosa Rua das Pedras. Polo comercial e gastronômico da cidade. Lugar de gente branca. Ao voltar do passeio, um casal de amigos me perguntou o que achei do local. Quando respondi: “Não gostei! Me pareceu lugar de gente branca. Ao menos, 80% das pessoas na rua eram brancas.” Eles se surpreenderam, se constrangeram e abordaram que quando vão a um lugar se pautam pela beleza do lugar, não necessariamente por quem está ali.

No início da semana, estive em Brasília a trabalho. Fui despachar com um ministro no Superior Tribunal de Justiça (STJ) – instância jurídica abaixo do Supremo Tribunal Federal, “penúltimo degrau” da justiça brasileira. Em cerca de duas horas no local, tirando os seguranças e guardadores de carros, o único negro que vi foi ao me olhar no elevador do prédio. Assim, também foi nos demais passeio na capital federal, nos demais locais frequentados, encontrar um irmão de cor era episódio raro.

Olha, nada contra pessoas brancas, até tenho amigos que são (risos), mas não posso achar normal, em um país onde 54% da população é negra, um local que tenha 80/90% de pessoas brancas, algo de errado tem. Assim como teria um lugar “público” com 90% de homens, por exemplo, tipo nosso congresso. Algo de errado não está certo. Sobretudo, se isso acontece em espaço de poder, como o STJ, ou espaço de “vida elitizada”, como a Rua das Pedras, essa situação visualizada nesses dois locais retratariam a divisão da sociedade brasileira. Não é coincidência, mais sim, consequência de uma sociedade que há 518 anos exclui o povo negro, mesmo após a abolição da escravidão, em 1888. Ao negro é dado o que sobra dos espaços sociais, seja de trabalho, moradia ou consumo. Não concorda? Olha o inverso e veja as populações vulnerabilizadas, de ruas, periferias e ocupações.Irá ver como a pirâmide se inverte e lá, nos locais de exclusão, o negro e a negra são maioria.

E sem esse papo de que eu estando lá mostra que o cenário está mudando. Sou um negro cheio de privilégios, além do que, a exceção confirma a regra. Dói-me ser o único negro na cafeteria, na audiência, no STJ, na reunião, no restaurante em Búzios. E olha que eu não represento nada na cadeia hereditária, porém, ainda assim, me vejo isolado ao frequentar os espaços que a profissão – elitizada – de advogado me proporciona.

Algum “porque” está por trás disso. E temos que falar, sim. Temos que constranger, sim. Temos que questionar, sim. Principalmente temos que trazer esse debate à tona. Não adianta desejar uma sociedade melhor, mais justa, mais igualitária e aceitar que para certos locais só é acessível para certas pessoas com uma determinada cor. Um problema não é solucionado sem antes ser diagnosticado. Enquanto a sociedade não trazer o “apartheid social” que vivemos para ser debatido, esse cenário não vai mudar e o negro irá continuar a pagar a conta de um país construído em cima da exploração de pessoas negras escravizadas e na sua exclusão.