Paranoia policial na literatura periférica e o direito de ir e vir

Contra-capa de O Sol na Cabeça - Fotografia

Poucas são as vezes que a literatura manifesta a violência policial e o cerceamento dos direitos plenos de cidadania às pessoas periféricas. Em especial, essas repressões podem ser apresentadas como a delimitação dos desejos de ir e vir a determinadas localidades geográficas, e até mesmo a violência policial. Quase sempre esse desejo pode ser delimitado de acordo com a ordem vigente na sociedade ou mesmo por aqueles que acreditam deter o controle sobre quem pode e quem não pode ir e vir.

Neste texto, abordaremos exclusivamente a paranoia policial, enquanto delírio persecutório a um personagem, em um conto de Geovani Martins, do livro O Sol na Cabeça de 2018. Rolézim, é o primeiro capítulo que dá inicio ao livro, e neste o autor vai narrar sua descida a praia do Rio e como as relações sociais se desencadeiam durante seu período por lá. No conto, somos transportados diretamente para sua realidade, e para quem não pertence ou nunca viveu em uma favela é quase difícil de decifrar o que o autor quer dizer. Essa incapacidade da linguagem não se dá mediante o fazer da escrita e a qualidade da mesma, mas pela escolha da narração e as palavras utilizadas, entre elas, algumas que dizem respeito a gírias e até mesmo expressões genuinamente da periferia.

Após a descida do personagem à praia, o primeiro confronto ali encontrado se dá entre eles e a ordem policial vigente, que delimita certos anseios dos mesmos, enquadrando suas liberdades individuais. O segundo confronto se dá entre o personagem e a observação de rapazes, que não pertencentes a seu grupo social se fazem distantes de sua realidade (mais ricos em relação a eles), no entanto são preferidos justamente por sua classe social e até mesmo por conta do status que ocupam naquele espaço. O desenlace para o confronto se dá por conta do roubo de uma mochila por garotos mais novos ao grupo de playboys (expressão do autor) na praia. Esse confronto faz com que Geovani tenha de se deparar com uma abordagem policial quando está indo para sua casa e os mesmos meninos que haviam cometido o furto estão sendo revistados, porém no mesmo momento é obrigado a parar, e desta forma é condenado sem nem quer haver provas evidentes de qualquer crime por parte dele.

(MARTINS, 2018, p. 15) – Imagem: Reprodução

 

O crime delatado advém do pré-conceito determinado pelo policial ao jovem simplesmente por conta de uma abordagem que não leva em consideração sua presunção de inocência; mas, apresenta sobre o mesmo a culpabilidade de um crime simplesmente pelo não cumprimento de medidas paranoicas estipuladas pelo agente. Desta forma, o profissional deixa velado sua inclinação a punir o pedestre e condená-lo por não estar com o dinheiro da passagem ou mesmo portar mais que o valor necessário. Ademais, podemos notar que a pretensão no conto se dá justamente para trazer à tona essa denúncia que denuda toda e qualquer imagem de justiça nas favelas, revelando, ainda, que o objetivo dessa forma de justiça é buscar uma higienização e apagamento dos corpos daqueles que se sentem no direito de questionar a situação. (BATISTA, 2019, p. 7).

 

Referências Bibliográficas

MARTINS, Geovani. Rolézim. In: O Sol na cabeça. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

BATISTA, P. R. S. B. Sol na Encruzilhada. In: A Imagem e o Som nos Corpos Mudos. São Paulo: Academia.edu, p. 3-7, dezembro de 2019.