Pacote anti-constituição ou Pacote anti-pobre

Sergio Moro, Ministro da Justiça e Segurança Pública no governo do presidente Jair Bolsonaro(Créditos: Reprodução Internet)

Por que o pacote anticrime de Moro também pode ser chamado de pacote anti-constituição ou pacote anti-pobre? 

O chamado pacote anticrime ( Projeto de Lei 882/2019), proposto por Sérgio Moro, ministro da Justiça e Segurança Pública e talvez o ministro mais popular entre os eleitores e de Bolsonaro e não simpatizantes de partidos de esquerda, é a segunda maior aposta do governo federal para acabar com a criminalidade no país. (Só fica atrás da liberação do porte de armas para a população). O pacote anticrime prevê 19 alterações no Código Penal e no Código de Processo Penal, entre elas está a “licença para matar”, aos policias e militares que cometerem homicídios durante seus trabalhos, é a medida mais perigosa para favela e para os ativistas sociais.

As dezenove medidas são: execução antecipada da pena (mais um jeito de encarcerar mais rápido e com menos recursos para os réus), execução antecipada da decisão do Tribunal do Júri (outro jeito de lotar ainda mais os presídios brasileiros), modificação nos embargos infringentes (é um recurso penal usado que pode ser usado pela defesa quando não ocorre unanimidade na decisão do colegiado), mudança no instituto da legítima defesa, em especial aos agentes de segurança pública (“licença para matar”), alterações no regime de prescrição, mudanças no cumprimento da pena, mudanças em relação ao crime de resistência ( pode gerar penas excessivamente altas não diferenciando dolo (conduta voluntária)-culpa (conduta involuntária), criação do confisco alargado ( confisco de bens mesmo que não haja provas que foram adquiridos de forma ilegal), intercepção de advogados em parlatório ( gravação de conversas entre advogados e clientes presos),acordos penais, alterar o conceito de organização criminosa, permitir o uso do bem apreendido pelos órgãos de segurança pública, alterar a competência para julgar crimes eleitorais, alterar o regime de interrogatório por vídeo conferência, mudar o regime para crimes de caixa 2, alterar o regime do presídios federais e introdução do informante do bem ( o informante pode receber até 5% se informação levar a apreensões).

Eu irei comentar as medidas que mais afetam a favela. A “licença para matar”, a medida mais polêmica proposta pelo ministro Moro, juridicamente chamada de excludente de ilicitude, torna os policias e militares livres de responder judicialmente pelo assassinato de qualquer pessoa, desde que estejam em horário de serviço e tenham agido sob “legítima defesa” “fator escusável” (desculpável), ou “forte fator emocional”, ou seja, é o amparo jurídico para a prática das forças armadas de atirar primeiro e perguntar depois. A mudança no código 23 e 25 do Código Penal, quer reduzir pela metade e até mesmo excluir penas (que desde a Lei13.491/2017, sancionada pelo presidente Michel Temer só podem ser julgadas pela Justiça Militar). Essa proposta é o aprofundamento da repressão é a criminalização da existência da pobreza, da negritude e do enfrentamento político.

Outro ponto que afeta diretamente a população mais pobre é execução antecipada da pena, ou seja irá permitir a prisão de pessoas condenadas antes do trânsito julgado (quando não caber mais recursos). Moro deseja que o cumprimento da pena condenação comece na segunda instância, quando ainda é possível recorrer no Tribunal de Justiça e também Supremo Tribunal Federal. Essa medida vai contra a presunção de inocência e também vai contra os indicies em que 62% a defensoria vem conseguindo alterar prisões com a utilização do habeas corpus no STJ. Além disso essa proposição se trata de opção política de priorizar patrimônio ao invés de liberdade. Junto a esse ponto está o endurecimento de penas, como aumento de sentenças e a extinção dos indultos (saidinhas), duas propostas ineficazes pois não existem estudos que comprovem que prender por mais tempo diminua crimes mas existem inúmeros estudos provando a ineficácia das prisões para a diminuição da criminalidade e reeducação de apenados e de acordo com Instituto Terra, Trabalho e Cidadania ITTC apenas 4% dos presos não voltam para as penitenciárias quando saem com indultos. As medidas de Moro vão em encontro a seletividade das prisões e subjetividade de cada juiz, que numa realidade racista, machista e com lógica capitalista levaria o aumento exacerbado das condenações e dificultaria a ainda mais a defesa.

O confisco alargado é igualmente absurdo, ordenar a venda de bens da pessoa condenada para pagar as multas aplicadas desconsiderando se foram obtidos por forma ilícita ou não. Caso a pessoa seja absolvida a justiça ressarcirá o valor dos bens com correção monetária. Mas sabemos de que classe serão as pessoas afetadas por essa medida, a morosidade, a burocracia e seletividade da justiça, pense comigo quanto tempo ou será que pessoas faveladas vão ter seus bens devolvidos?

Sérgio Moro define um grupo criminoso, mencionando pelo nome as facções do crime organizado PCC (Primeiro Comando da Capital), CV (Comando Vermelho),  FDN (Família do Norte), TCP (Terceiro Comando Puro), ADA (Amigo dos Amigos), e as milícias. A inspiração, segundo Moro, veio do Código Penal italiano, que, no artigo sobre as associações do tipo mafiosas, menciona a Camorra, a Máfia de Nápoles, e a ‘Ndrangheta, a Máfia da Calábria.O que caracteriza perseguição a grupos específicos e a pessoas. O texto é extremamente fechado e não prevê questões futuras e não explica como irão provar a ligação com as milícias.

A mudança na política nacional de reclusão inclui a construção de presídios de segurança máxima, o aumento do isolamento, e dificultam a  comunicação com os advogados (intercepção de advogados em parlatório) gravando as conversas com as famílias e advogados. E também propõe a criação de um banco de dados sem especificar muito bem de quem como vai coletar esses dados (podem ser coletados antes da condenação em segunda instância) .

Vivemos em um país com uma política de exclusão e genocida em que a cultura vigente aceita que corpos que já passaram pela prisão podem ser mortos. Tudo bem morrer se está cumprindo ou já cumpriu pena, estamos criando um precedente para um estado ainda mais genocida e anticonstitucional. Isso que não citei as alterações para crimes eleitorais e enfrento a corrupção. As mudanças de Moro não respeitam a Constituição e são só arbitrariedades.