Ocupa Clóvis: a primeira escola periférica ocupada do Rio quer mudanças

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Cartazes decoram as paredes da primeira escola periférica ocupada no Rio

A sala de vídeo virou alojamento, o pátio se transformou em sala de aula. A escola, agora, é palco de luta. Tem sido assim, pelo menos, para os integrantes do Ocupa Clóvis, primeira ocupação estudantil periférica do Rio. Organização, resistência e trabalho de sobra têm marcado os dias dos cerca de 30 jovens que ocupam desde abril o Colégio Estadual Professor Clóvis Monteiro, em Manguinhos.

Localizada a poucos metros da Cidade da Polícia, “a Clóvis”, como apelidam os mais chegados, é uma das mais antigas escolas da região. Recebe apenas alunos do Ensino Médio, vindos majoritariamente das comunidades de Manguinhos, Jacarezinho e do Complexo do Alemão – regiões com os mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano do Rio. O cotidiano dos 1.300 alunos, relatado por quem hoje defende melhorias, não é muito melhor que a realidade do entorno: salas superlotadas, merenda insuficiente, falta de professores e relatos de violência faziam parte da rotina difícil de quem procurava por educação ali.

A falta de diálogo com funcionários e direção levou os alunos do colégio a seguirem o exemplo da onda de levantes estudantis da região metropolitana do Rio de Janeiro, iniciada em março com a ocupação do Colégio Estadual Prefeito Mendes de Moraes, na Ilha do Governador. O Ocupa Clovis tomou a escola de Manguinhos, sem resistência, às 6h30 da manhã do dia 06 de abril, após aprovação em assembleia pela maioria do alunado. O movimento é independente, liderado pela insatisfação de jovens com idades entre 15 e 21 anos, que agora passam seus dias ali. Influências externas, seja de organizações políticas ou tráfico de drogas, são rechaçadas pelo grupo.

As reivindicações dos membros do Ocupa Clovis refletem a crise do ensino enfrentada pelo Estado há décadas, ainda mais intensa nas unidades da rede pública localizadas nas áreas menos abastadas na cidade. Além do fim da prova do Sistema de Avaliação da Educação do Rio de Janeiro – Saerj (moeda de troca na distribuição de verba entre as escolas estaduais mais bem avaliadas), fim do currículo mínimo e o acesso universal ao passe livre, os estudantes muitas vezes querem alcançar itens básicos. O reajuste da carga horária de disciplinas que hoje inexistem na grade, como Sociologia e Filosofia, o fim da superlotação das salas e o uso de todos os espaços e materiais acadêmicos também são algumas das reclamações – caixas de uniformes e livros lacrados foram encontrados escondidos na escola, atrás de uma parede falsa.

“Nós somos iguais a todas as escolas. A Clóvis só quer igualdade de condições para todo mundo. A gente sabe que até mesmo as ditas escolas modelo têm problemas. Lá também falta verba, livro acadêmico, comunicação com a direção”, explica Sandy Ferreira. Aos 15 anos, a moradora do Jacarezinho divide com os colegas as tarefas da organização nas frentes de comunicação, eventos culturais e segurança. Os estudantes se revezam em comissões que cuidam, além destas áreas, também da limpeza e da alimentação do grupo. Mutirões de faxina têm sido organizados periodicamente para manter tudo em ordem e efetuar melhorias na escola, como pintura de instalações e capinagem. O Ocupa Clóvis também realiza atividades diárias abertas, como aulões oferecidos por professores voluntários e debates sobre temas como feminismo e racismo.

As redes sociais têm sido o principal instrumento de mobilização não apenas para garantir a comida que chega via campanhas de arrecadação de mantimentos, mas na aproximação dos ocupantes com acadêmicos, professores e a própria comunidade. A escola já recebeu a visita do ator João Velho, o apoio do cantor Tico Santa Cruz e tem sido o destino de educadores populares e educadores de universidades como a Uerj.

Os pais dos alunos também têm apoiado as ações, entretanto, as resistências são muitas. Em 36 dias, os jovens do Ocupa Clovis têm enfrentado, além da intimidação da direção, represálias violentas do movimento de oposição Desocupa Já e tentativas de desmobilização da própria Secretária de Estado de Educação. “O diálogo entre a Seeduc e os ocupantes só vai acontecer quando eles falarem com todas as escolas ocupadas. Eles tentaram nos fazer desistir para desestabilizar as outras”, conta Sandy. As tentativas têm sido frustradas.

Professores voluntários e acadêmicos oferecem palestras periódicas abertas sobre diversos temas - Foto: Julianne Gouveia
Professores voluntários e acadêmicos oferecem palestras periódicas abertas sobre diversos temas. Foto: Julianne Gouveia

Os jovens do Ocupa Clóvis e a política

Apesar do discurso politizado, a política tradicional é rechaçada. Em uma pesquisa informal, o desinteresse pelo assunto pulula entre os ocupantes, deixando claro, porém, o afastamento daquilo que é veiculado pela mídia enquanto ação partidária. Mas, como se pode constatar na prática, a máxima de que o jovem brasileiro não se interessa por política soa cada vez mais inverídica. “Não se pode mais dizer isso a partir do momento em que temos 70 escolas ocupadas só no Rio de Janeiro. Nas assembleias, vivemos a real democracia.Tudo é decidido através do coletivo. O jovem não sabe o quanto ele pode fazer, mas está havendo uma grande mudança. Ele está aprendendo que pode expor suas ideias, exercer a democracia”, opina Sandy Ferreira.

Assim como outros membros da ocupação, a jovem afirma não ter uma opinião formada a respeito da instauração do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, apesar de acreditar na idoneidade dela. “Ela parece a menos pior, né? Mas é complicado. A gente precisava começar tudo de novo. Seria melhor a gente pedir desculpas pros índios e devolver o país para eles”, afirma, com a descontração e profundidade que só a juventude possui para falar de coisa séria.