“O único braço do Estado que chega forte é o da repressão”: Relato de um morador do Jacarezinho

Leandro esteve na comunidade durante toda a operação e descreve o pavor que viveram, além do cotidiano de opressões, descaso e silenciamento.

Ato pela chacina do Jacarezinho que aconteceu hoje. _ foto: divulgação

Me chamo Leandro, tenho 33 anos e moro no Jacarezinho desde que nasci.

Hoje dia 06/05 fomos acordados pelos rasantes do Águia, como a muito tempo não acontecia, até por conta de um decreto não respeitado e o que veio depois a galera já sabe, mas é interessante falar da ótica de quem tá dentro. O tiroteio ao que parece começou às 6,6:30 da manhã, aí foi aquele desespero, algumas pessoas já indo trabalhar encurraladas entre os becos, gritaria e muito tiro, de uma forma que nunca se viu, e olha que já vi várias.

O que veio depois foram execuções, agressões e abuso de poder, como sempre, por parte da polícia. Alguns criminosos queriam se entregar, mas eles queriam matar, por conta da morte de um policial. Foi terrível, granadas que não estouraram no chão, gente baleada no metrô que passava de Maria da Graça para triagem, uma operação desastrosa, uma verdadeira chacina.

As informações que chegam é que eram todos bandidos. Eu pela vivência que tenho não acredito,mas digamos que fossem, devem ser executados? Óbvio que não. Mexeram nos corpos, ou seja, não terão uma perícia decente.

Ações de apoio às famílias, pelo que vi, vieram algumas ONGs e advogados para ouvir os moradores, até por que tem as redes sociais e o pessoal aqui fez barulho, mas ainda é muito cedo pra saber o que de fato foi feito e se foi.

As minhas experiências são as piores possíveis. Já fui acordado dentro de casa por policiais de fuzil questionando o porque eu dormia. Se minha mãe não estivesse presente, eu não sei o que seria. Já perdi muitos amigos por essa truculência polícial. A gente parece que nasce com um alvo nas costas.

O único braço do Estado que chega forte é o da repressão, é a mão da polícia que mata e estoque sem dó.
Essa política de confronto tá vencida e falida, mas eles não estão nem aí, se quer abrem um parêntese para que se discuta agir de outra forma.

Eu tenho dois filhos, um estava comigo e o outro com a avó materna, ele me disse ao telefone que está com saudades, mas vai ficar lá porque está com medo. Ninguém com 8 anos deveria passar por isso. Mas quem se importa? Não valemos nada para eles, tão pouco a vida dos nossos garotos, que morrem de 15 a 25 anos. E sinceramente, não importa que a polícia seja também negra, ela foi ensinada para agir assim.

Enfim, termino com um questionamento aos que dizem que não há desigualdade, que se você quiser você consegue inclusive sair daqui.
Por que a maioria dos presidiários são pretos?
Por que a maior população de rua é preta?
Por que a maioria da população das favelas é preta?
Desigualdade. Sabe como acaba com isso? dando chance, educação, saúde, direito de ir e vir, não estuprando o artigo 5° da constituição e por aí vai. Acho que todo mundo sabe disso,mas quem lucra está no poder; as mesmas famílias desde sempre e eles não vão largar o osso, independente de quantos de nós morra.

– texto escrito por Leandro e enviado à Agência de Notícias das Favelas.

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