O Que Está Para Muito Além das Pacificações das Favelas da Zona Sul

     Passaram-se apenas três anos, da inauguração da primeira Unidade de Polícia Pacificadora, nas favelas da Zona Sul do Rio de Janeiro, e lideranças se perguntam apreensivas o que serão dessas comunidades daqui a dez anos.

      Desde o dia 12 de Março de 2012, a partir de uma reunião na Ladeira dos Tabajaras, foi constituído um “Fórum de Resistência das Favelas da Zona Sul”, que tem se reunido constantemente, em diferentes comunidades. A maior preocupação desse espaço político é aglutinar lideranças comunitárias e movimentos sociais debatendo diferentes realidades e mudanças com o advento das UPPS. Muitos apontamentos em comuns e coincidências demais para o acaso tem colocado grandes desafios para o conjunto dos moradores dessas localidades.

     Com a aparente tranquilidade nas favelas, ou seja, sem traficantes fortemente armados para determinar o que deve ou não ser feito, vários serviços públicos e privados, que já existiam nas comunidades, passaram a ser cobrados. O problema é que uma conta de luz social, que no início não passava de quinze reais e de repente saltou para trezentos reais, pode determinar se uma pessoa vai poder ou não continuar vivendo num determinado local com dignidade. Esse é um dos problemas que nos foi relatado por uma liderança do Chapéu Mangueira e também repetido por lideranças de outras comunidades. Construções de vias pelos morros, em diferentes favelas, e muitas vezes de utilidade questionável, têm colocado diversos moradores em choque com a Prefeitura. A coerção e a intimidação por parte de agentes do governo municipal, com a ameaça de prejuízos jurídicos e materiais, nos foram contados como uma constante para pressionar a saída desses moradores e a entrega dos terrenos, que na maioria das vezes não passa as indenizações dos vinte mil reais. Sabemos que com essa quantia, nenhum morador vai conseguir se estabelecer em outro espaço da Zona Sul e para quem deseja o afastamento das classes mais subalternas, são menos pobres ocupando as áreas mais valorizadas da cidade.

      Chama muito a atenção, a coincidência de várias comunidades relatarem as demolições de casas que estariam ou em locais de interesse de obras públicas, ou em locais de possíveis riscos de deslizamentos e desabamentos. No Morro da Babilônia, numa parte conhecida como Sossego, vários moradores perderam a paz com a informação de possíveis deslizamentos no local. As contradições estão presentes mais uma vez nos relatos locais, que várias casas foram removidas, e no mesmo local, dito de alto risco, construído um prédio de Unidade de Polícia Pacificadora.

      É inegável ainda que com a entrada das forças de pacificação, um verdadeiro “boom imobiliário” atraiu a classe média e empresários para a compra de casas e terrenos nas favelas da Zona Sul da cidade. Com isso, as taxas de serviços e alugueis que antes eram condizentes com a situação sócio-econômica de pessoas de baixa renda, passaram a ser um grande empreendimento lucrativo para grandes empresários e investidores. Um exemplo é bastante vinculado na grande mídia. As apostas de setores hoteleiros, na construção de albergues e alojamentos, em favelas ocupadas, para suprir as demandas dos grandes eventos.

      A política das UPPs foram largamente noticiadas e festejadas, como a solução para colocar fim a violência do tráfico. O próprio governo admite, hoje, que o tráfico continua nas comunidades, mas sem exercer mais o controle social, o “dito” poder paralelo. Infelizmente teremos que concordar com o governo, na questão das vendas de drogas e ir mais além. Não só a venda de drogas continua como também, em alguma proporção, a violência. Prova disso são os conflitos com várias mortes que ocorrem na Rocinha. Nessa mesma favela, a especulação imobiliária não só atingiu os imóveis como até os preços dos alimentos dos supermercados próximos. O que as lideranças comunitárias vêm alertando através dos espaços de reuniões, é que se os favelados não se unirem, cada vez mais veremos mudar o contraste social dos bairros da Zona Sul. Não é apenas uma grave mudança de caráter social como também é cultural. Pasmem! O governador já pensou em mudar até os nomes das favelas!

       O fortalecimento do Fórum de Favelas da Zona Sul é uma necessidade. Ele pode pressionar para que o estado intervenha com as propostas dos moradores (programas sociais, oportunidades de trabalho e de geração de renda, além de obras necessárias) e mais ainda pode resistir aos programas que venham trazer exclusão e segregação.

      No momento, vários problemas tem tirado o sono dos moradores em diferentes favelas da Zona Sul do Rio e, o que não queremos, é que esses sejam obrigados a irem embora por causa de nefastas coincidências.

Rafael Nunes – Professor, militante do PSTU, CSP Conlutas e colaborador da ANF