O Presente do Rei: O plebeu, a princesa e a guerreira

Capitulo 2: Um encontro mágico 

Marcus já estava um pouco longe da sua casa. Ele caminhava a esmo, cambaleante como um homem ébrio, soluçando alto, as lágrimas lhe caiam grossas, intermináveis. Não sabia para onde ir. Simplesmente só desejava fugir daquela pobreza, que o assombra, e, cada vez mais se torna senhora, horrenda, com tentáculos invisíveis, irascíveis e
impiedosos que cercava tudo e todos que conhecia.

A sua face era fria, horripilante invadia os sonhos das crianças, destruía os objetivos dos homens e faziam-nos ficar prostrados. O reino sempre foi próspero. Não que a plebe vivesse bem assistida pelo seu rei. Mas, de repente, o reino caíra numa profunda e sombria crise econômica.

O rei Iago contraiu dívida com o país vizinho, que lhe emprestara com segundas intenções. Os anos se passavam e Iago não conseguia saldar a
dívida por inteiro, e o montante cada vez mais se agigantava, seu credor estava o pressionando. Então, o soberano decidiu tomar uma atitude drástica. Aumentou os impostos quatro vezes mais, mas, não foi o suficiente para pagar
a dívida, e baixou um edito, ordenando todos que os camponeses doassem metade das suas pequenas terras para o reino e trabalhassem nelas aos sábados e domingos, todo o lucro, que arrecado com a lavoura deveriam entregar ao rei, caso contrário, seriam jogados nas fétidas prisões e torturados de forma animalesca, horrenda na escuridão dos calabouços.

Muita gente afirmava fervorosamente que via seres malignos entre os seus carrascos.

Homens e mulheres tinham de trabalhar feito máquinas incansáveis e com resistência de animal, pois, agora, tinham que trabalhar o quádruplo, quase da aurora ao ocaso para pagar os altos impostos de sempre e ainda eram obrigados a fazer trabalhos por fora, para saldar uma que não era sua. Poucos meses depois dessa lei, muitos homens e mulheres chegavam a um estágio de
fadiga tão extremo, que, simplesmente caíam sucumbidos na terra como bestas abatidas.

Outros, as mentes entravam em colapso, de súbito largavam tudo pela metade saíam pelas ruas murmurando frases desconexas e inaudíveis; alguns desses, rasgavam suas roupas e seguiam à toa, nesses também havia quem se tornasse violentos e atacasse os passantes.

Parecia que o anjo maldito portador da morte pairava sobre eles, devastando tudo quanto via pela frente. Entretanto, Marcus sabia, que essa crise só se abatera sobre a plebe, que a nobreza gozava dos seus privilégios, dava bailes intermináveis regados com os mais variados tipos de orgias, a luxúria exalava por todos os poros dos participantes, a gula coroava as festas reais.

A nata da nobreza como: rei, rainha, príncipes, condes, marqueses, barões, viscondes, condessas, marquesas, viscondessas, baronesas; o clero: padres, bispos e monges, até os intelectuais, artistas, cortesãos da Corte, nesses bailes,
formavam-se uma só carne, um só pensamento e desejo, ninguém sabia diferenciar quem era quem.

Ele olhou ao seu derredor não viu uma viva alma, só via ao longe as fracas e bruxuleantes velas dos casebres e rasgou o ar com um grito de ferida
mortal, chorou como nunca fizera, seus soluços encheram todo o ar. Estava fugindo da família, da casa! Não suportava mais ver os que ele tanto amava, sofrendo daquele jeito!

Praticamente todos, estavam condenados à morte ou à loucura. Antes daquela maldita lei, o seu pai já trabalhava como um cavalo xucro na sua carpintaria, fazendo móveis e mais móveis para os nobres, alguns comerciantes e para raríssimos plebeus. Mas, seu pai não era um simples carpinteiro, era um mestre na sua arte, porém seu dom não se limitava apenas a móveis, mas, também era um exímio luthier autodidata, construía os mais afinados alaúdes, bandolins, violinos, com acabamentos minuciosamente detalhados e formas perfeitas trabalhadas com mãos e alma hábeis e essencialmente de grande artista.

As suas peças provocavam êxtase nos trovadores, músicos, até mesmo os leigos admiravam as suas obras. Ele passou o seu conhecimento, para o seu primogênito, era um dos pouquíssimos legados que podia deixar, e Marcus era um aluno aplicado, entusiasmado e questionador. E o aprendiz de luthier que além de aprender a fabricar os Instrumentos de forma esmerada. Contudo, seu pai não permitia que tocasse, não que ele se iludisse e sofresse depois. Então, colocava-o para auxiliá-lo no atelier, mas quando as encomendas eram muitas, pedia para que o filho fabricasse alguns escassa.ando em quando, tinha até mingau.

Agora, a miséria os abraçara com paixão, seu pai, mal se aguentava de pé, já não andava mais como gente normal, cambaleava; de uns tempos para cá, começou a ter repentinos ataques de tosse, febres toda tarde.

A sua mãe, que há tempos remotos, foi formosa, graciosa, de uma beleza doce e pura como um anjo, mas, ainda conservava uma beleza, porém, não é nem de longe a sombra, do que um dia foi. Parecia um zumbi de uma mulher que foi linda, pois estava desbotada e triste. Estava tão o magra, que parecia não caminhar, às vezes dava a impressão que flutuava pelo ar. Em alguns momentos, a voz saía feito um gemido de dor, seu rosto só vivia úmido de lágrimas. Os seus quatro irmãos assemelhavam-se mais a quatro fantasminhas, estavam tão apáticos, desnutridos, famintos, pranteavam quase sem parar, dois tinham perdido totalmente a capacidade de falar.

Quando a mãe falava com a voz entrecortada, dizendo que eles iam jantar com os anjinhos no céu – isso era uma maneira carinhosa de dizer, que eles iam dormir com fome. Eles iam para os cantos, chorar de fome e de tristeza, encolhidinhos feito alminhas condenadas. Depois iam deitar-se resignados com a desgraça. Marcus sabia que não ia demorar muito, para o anjo portador da morte sobrevoar sobre a sua família. Talvez isso fosse uma questão de dias. E ele não queria estar lá pra ver a morte dos seus amados, não aguentaria! Com
certeza enlouqueceria.

Pensar na destruição da sua família, fez-lhe partir em disparada apavorado como se mil espíritos danados o estivessem lhe perseguindo. Pois correria cada vez mais, os soluços se fizeram mais agudos e feridos. Num ponto da corrida parou, arquejante, sem ar. Parou em uma estrada escura. Respirava com muita dificuldade, mas o pranto ainda era intenso, convulsivo. Agachou-se
e pôs o rosto entre as mãos, quando sentiu uma grande e pesada mão. Assustou-se e automaticamente olhou para trás. Viu a figura de um homem velho com uns sessenta anos, alto, ombro largo, cabelos e barbas longos e brancos feito a neve, às vezes, tinha a impressão, que não eram brancos, mas reluziam como se fosse de uma luz luminosa e pura.

A sua face irradiava paz, aconchego, alegria, mas, ao mesmo tempo, transmitia seriedade, porém não deixava de emanar bondade. Entretanto, as suas vestes eram estranhas, pareciam ser de um tempo antigo. O ancião, por fim, sorrindo falou:

─ Feliz Natal, meu jovem! Que o meu Senhor nasça em seu coração esta noite e reine desde agora e para sempre!…

─ a voz era cheia, firme, retumbante, quente, tanto que fez o coração de Marcus acelerar, aquecer-se, como se ouvisse uma canção que acalma nossos ânimos, e nos faz desejar adormecer em abraços cheios de ternura e aconchego.

Por um momento relâmpago, o peito do rapaz encheu-se de bonança por causa daquela bonita natalina saudação.

Tentou sorrir em agradecimento aquele senhor gentil, entretanto, antes do sorriso florescer, lembrou-se da sua desgraça e teve um ataque de
fúria:

─ O que quer?! Saia daqui seu mendigo miserável!… Senão…
Ele foi interrompido por uma gargalhada estrondosa, gostosa; daquelas que nos faz gargalhar, junto com quem a deu, mesmo sem saber o motivo da piada:

─ Por que as pessoas sempre me confundem com um mendigo?

─ disse o ancião no meio da gargalhada.

─ respirando fundo, continuou

─ Perdoe-me, a culpa é toda minha. Deixa eu me apresentar. Meu nome é Belchior, sou um dos três reis magos. Eu tive o privilégio inominável de presentear com ouro o Rei dos reis, o Filho do Altíssimo!

Marcus olhou-o com raiva, dando muxoxo, dando-lhe às costas e dizendo entre os dentes:

─ Maldita lei…

─ considerando Belchior um louco fruto do edito do rei Iago.

─ Não acreditas em mim? Por que ninguém não acredita em mim de primeira?
Eu tenho que fazer sempre a mesma coisa!

De repente, o jovem parou perplexo, confuso, amedrontado. Nenhum dos seus membros se mexiam; estava duro, frio como uma estátua. Depois do primeiro momento, veio o sentimento de deslumbramento, admiração, porque ele viu no meio de uma noite de escuridão densa, o seu corpo ser coberto por milhares e milhares de partículas douradas, luminosas. Marcus olhou para os lados, para ver se o fenômeno estava ocorrendo ao seu redor e tudo ainda continuava na mais completa escuridão de uma noite melancólica,
acompanhada de fracas e distantes estrelas. Só sobre ele, caía a garoa dourada. Estava presenciando uma chuva de ouro:

─ Aí, meu Deus me perdoe! Me perdoe! Me perdoe!… Eu sou um desgraçado!
─ disse, caindo atemorizado, se prostrando aos pés do ancião beijando-lhes as mãos.

─ Que Deus que eu sou? Ele é o Inalcançável! Deus eu… E o maluco aqui sou eu, não é? Levanta-se rapaz, venha dê-me a mão.

─ Mas como?…

─ Calma meu rapaz. Eu vou te explicar tudo. Já te disse que fui um dos três reis magos. E foi eu quem deu o ouro a Jesus Cristo.

Então, por causa desse meu ato de benevolência para com o Filho do Todo-Poderoso, fui agraciado
com o dom de aparecer de séculos em séculos a um bom coração, que está sofrendo muito e conceder a ele a Bênção da riqueza ou o Dom da riqueza.

Os olhos de Marcus rutilaram no breu ao ouvir a palavra riqueza:

─ O que isso quer dizer?

─ Calma, meu bom rapaz.

Primeiro, o Dom da riqueza: ele atrai a riqueza devagar, dias após dias, anos após anos, mas se olhar ao redor está diante de uma imensa fortuna, que dificilmente acabará ou alguém roubará.

Mas há muitas pessoas que passam a vida inteira sem perceber que têm esse dom e morrem solitários e pobres. Na Bênção da riqueza: de uma hora para a outra, a riqueza chega como passe de mágica.

Quando tu menos esperas, a sorte te abençoa e as coisas mais inexplicáveis começam acontecer ficas rico subitamente, é rodeado de belas amantes, torna-se o amigo mais amado. Vêm presentes e honrarias de todos os lados… Porém, quase sempre essa riqueza acaba… quase sempre não! É sempre sim!

Porque o homem se torna rico muito rápido, fica mais burro: baixa a guarda para os meus inimigos que se travestem de seus amigos, que vão te minando em festas, luxos desnecessários, lágrimas falsas, desgraças repentinas. Ele fica mais vulnerável por causa da vaidade: começa a pensar que é um soberano e os que estão ao seu redor são seus súditos e que por eles é venerado. Então, começa a pisar alguns, com isso sente uma sensação prazerosa de poder. O poder é viciante.
Ele inebria, embriaga. O orgulho possante vem logo atrás do poder, quando acha um coração fraco. O orgulho é síndrome de deus; é quando o homem já
se acha imbatível, indestrutível.

Aí iniciam-se as perdas, as finanças começam
a minguar, as festas diminuem, os luxos começam a rarearem, os amigos entram numa escassez milagrosa, sempre têm as mesmas desculpas: a falta de tempo, muito trabalho, problemas… E depois, vem o pior período, as zombarias, as risadinhas pelos cantos da boca. Humilhações: olhares de escárnio, comentários maldosos, pedir algo a uma pessoa, que um dia humilhou.

Não vai ter ajuda e, sim, caridade. Ser rejeitado. Descobrir que nunca foste amado de verdade. Esse homem deseja ardentemente, de todo o seu coração, nunca ter conhecido a riqueza, pois os seus maiores algozes serão os seus pensamentos…

Houve um silêncio tumular nesse momento. O rei Belchior decidiu quebrá-lo, falando:

─ Então, Marcus o que vais querer?
Marcus parecia estar envolto em seus pensamentos.

Mais um silêncio pesado e Marcus continuava emergido em si próprio. Ele pensava, que a sua vida foi na pobreza desde o primeiro momento. Jamais tivera conforto. Começou a trabalhar com cinco anos, hoje tem dezessete e se sente um velho alquebrado, cansado.

Talvez nem chegue aos vinte e cinco, quando cairá morto pelas ruas na sarjeta. Os seus pais já estão uns morto-vivos. Podem morrer em poucos dias! Ele não tem mais tempo para esperar a riqueza vir devagar, mas duradora. Talvez, se ele tivesse a certeza de que os seus, teriam mais um tempo de vida, esperaria… Marcus tinha se embrenhado
de vez nos pensamentos, pois fechou os olhos e contraía o rosto como se tivesse fazendo uma prece ou buscando forças dentro de si mesmo. Respirou fundo:

─ Eu quero o Dom da rique…

─ parou no meio do caminho

─ continuou gritando

─ Não! Não! Não!…Eu quero a Benção da riqueza! É isso que eu

quero! A riqueza imediata! Pois, eu sei que vou morrer antes de cair em decadência…

─ a sua voz foi decaindo num tom triste.

─ Tu tens certeza do que queres?
─ Sim, tenho!

Então, o rei ancião olhou para o céu, ergueu as mãos e disse palavras estranhas, durante alguns minutos, que jamais o rapaz tinha ouvido, mas
terminou dizendo:

─ Amém!

─ e sorriu

─ Amém!?

─ repetiu pedindo uma confirmação de Marcus.

E timidamente falou:

─ Amém!…

─ Meu bom jovem, o meu tempo já acabou. Eu gostei de te conhecer. Tu és muito especial. Adeus! Boa sorte na sua nova vida, Marcus! Tome cuidado!
Belchior saiu caminhando.

─ Ei! Espera aí! Como o senhor sabe meu nome?

─ Eu sei de muito mais coisas, mais do que tu imaginas, pois o meu Senhor me mostras. Ele e eu queremos que saibas que uma dádiva divina sempre atrai energias das trevas, para que a perca ou a corrompa. E tudo já começou!

─ disse e foi transformando-se em bilhares de fagulhas brilhantes como uma pequeníssima via láctea; e foi subindo aos céus, deixando um rastro luminoso.

•••

Depois de minutos, tudo voltou a ser um breu total. Um silêncio sufocador. A tristeza apertava de novo o coração dele. A incredulidade sussurrava aos seus ouvidos:

─ Eu estou ficando louco! Isso foi um devaneio! Estou muito triste e cansado…
Trabalhei hoje desde o primeiro canto do galo até a última estrela voltar ao céu.
Preciso dormir um pouco e amanhã, eu vejo qual rumo vou tomar.

Quando estava se deitando num cantinho da estrada forrada por uma escassa folhagem, ele ouviu uma voz masculina, rouca e nasal:

─ Ei, ei! Ei, rapaz!
Ele fechou os olhos, para fugir de mais um fantasma da sua mente.

─ Ei, ei, ei…

─ a voz insistia…

Marcus continuava fingindo que estava dormindo. Mas, de repente, ele levantou-se abruptamente, assustado. Uma mão o balançou de forma frenética, metralhando-o:

─ Rapaz, hoje é o seu dia de sorte! O moço do príncipe herdeiro sumiu, de repente, e nós já o procuramos por toda a Corte… E o príncipe colocou na cabeça que quer outro moço ainda hoje, eu tentei contra-argumentar, mas ele ameaçou fazer minha cabeça rolar pela guilhotina… E ele só quer alguém indicado por mim e não quer nenhum bajulador do reino. Tu serás o moço do príncipe! Tu serás! Pronto!…

E o homem era o conselheiro do rei Iago, que saiu puxando Marcus pelo braço, em direção à Corte. Enquanto as trevas da noite encobriam o rosto do homem, um sorriso maligno nasceu nos seus lábios.

Você está gostando dessa aventura?…

O que acha que vai acontecer com Marcus?… Quem será esse Tófeles?…

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