O Portão dos (des)Prazeres e a torcida pela reconciliação

           Depois que resolveram erguer o portão da discórdia dos Prazeres, vimos o desatar de uma acalorada – e, nos parece, há muito tempo, latente – discussão, que tem dividido opiniões em polos opostos. O que a diferencia, entretanto, de outras que o bairro e a cidade têm vivido nos últimos tempos é esse borbulhar de intervenções de todas as partes, inclusive dos lugares mais recônditos e na vez de vozes que, geralmente, optam pelo silêncio – silêncio, não aquele meditativo, reflexivo, que desata, na hora exata, na fala precisa dos pensadores, não. Mas silêncio daquele outro tipo: aquiescente e cômodo, que se arrasta sob a forma da consentidora indiferença dos cínicos.

Foto do Condomínio Equitativa e o estacionamento

 Bem, quebrou-se o silêncio e todos saíram de suas tocas. Na arena do litígio, mais uma vez, a classe média, infelizmente, encarnando o papel da mediocridade.  O papel daqueles que quando veem uma fresta aberta que pode levar ao andar de cima, atropelam tudo e todos que houver por baixo sem nenhuma cerimônia. Aí, surgem as velhas papeladas, os antiquíssimos argumentos, os advogados advenientes, os fantasmas especulativos e a famosa rede virtual de inquestionáveis intelectuais e candidatos a emergentes.

Dau Bastos, Flávio Minervino e Antônio no Campão

       O que o grupamento de choque não esperava era que, dessa vez, surgissem vozes outras, rupturas – é a palavra – com essa força inerte: pessoas da mesma classe que iriam se posicionar do outro lado do front. E, nesse caso, vejam vocês, do lado que nunca tem a vantagem do empate, o da favela. Brutalmente descuidado de atenção, de espaço para opinião e participação nas decisões e de chance na História. Mas como disse Shakespeare: “Os covardes morrem várias vezes antes da sua morte, mas o homem corajoso experimenta a morte apenas uma vez”. Não se deve brincar com homens excluídos, quando eles entendem o papel que podem jogar na História.

o pequeno espaço para pedestres no portão

    Um portão não é apenas um instrumento de controle de passagem, ele é carregado de simbolismo e de sentido. As classes excluídas entendem muito bem o que ele representa.  Existem milhões de portões, grades e muros, visíveis e invisíveis, que cercam as favelas e os favelados do mundo urbano. O portão em questão nunca existiu em décadas do convívio entre os Prazeres e o Equitativa e, mais ainda, gerações inteiras brincaram, conviveram e cresceram juntas na área de lazer do morro. Talvez fosse o maior exemplo de convivência a ser levado a outras localidades. O Condomínio Equitativa, ocupando um dos poucos espaços belíssimos e sem assaltos, deve reconhecer sua relação e convivência de longa data com os Prazeres. É injustificável que moradores do morro sirvam para os serviços gerais das casas e prédios do condomínio tendo, em contrapartida, a privação súbita da passagem, garantida na constituição.

Sacrifício de carregar materiais que piora muito se fecharem o portão

  Digo isso porque, estivemos por lá na semana passada e ontem, Domingo, conversando com lideranças comunitárias, como o Sr. Flávio Minervino e moradores muito antigos, como o seu José, que já morava no morro antes do Equitativa, e que participou da construção dos prédios. Foram conversas bastante lúcidas e com muitos dados concretos. Falavam-nos que sem uma passagem alternativa de veículos, aquele caminho se torna a única subida mais acessível para o alto do morro.  Sem ele, será obrigatório estacionar veículos na quadra de baixo e fazer uma verdadeira maratona por escadas e vielas para que se chegue ao alto do morro. É relegar, à própria sorte dos moradores, um extenuante problema. E isso não é justo. Existem entregas a serem feitas, ambulâncias para eventuais emergências, táxis, recolhimento de lixos, entre outras necessidades. Nos reportavam ao episódio que ocorreu na semana passada, de moradores fazendo essa longa caminhada com sacos de cinquenta quilos de cimento nas costas. E mesmo com a passagem aberta, é fundamental levar a rua até o Campinho, pois o caminho na mata ou pela escadaria também é cansativo. Outra vantagem é que com isso os materiais não seriam mais colocados no espaço do condomínio. Uma proposta, que equacionaria de vez os problemas para ambos os lados, seria uma construção fácil. Uma via para veículos ligando o campinho até a Rua Gomes Lopes e a manutenção do caminho pelo Equitativa somente para pedestres. Ou a construção de mais uma via de acesso do Campão até a Almirante Alexandrino. Mas essa luta não pode ser entendida e construída apenas pelos moradores dos Prazeres. Deve ser entendida como uma reivindicação de paz para toda Santa Teresa e que ainda pode unificar e criar relações de solidariedade e camaradagem entre o asfalto e o morro.  Outro grave problema repassado, que apuramos, é o tamanho mínimo da passagem para pedestres no portão de ferro. Um morador obeso, com compras ou com um carrinho de bebê não teria nenhuma possibilidade de travessia.

Caminho alternativo que poderia ser construído até o Campinho

      Muito se falou também sobre as inúmeras tentativas fracassadas que o condomínio teria tido em contactar as lideranças dos Prazeres. O que nos foi reportado, segundo as mesmas lideranças, foi o recebimento apenas de um cartaz, informando da colocação do portão três dias antes, e depois a entrega de uma carta avisando que iam fechar o mesmo portão no automático. Ficou bem claro, infelizmente, a falta de diálogo entre o condomínio e os Prazeres.

Para finalizar e encher nossos corações de esperanças por novos dias de confraternizações, ocorreu uma reunião, no dia 6 de março, com representantes do Equitativa, do Morro dos Prazeres, o subprefeito do Centro e o capitão da UPP, onde as reivindicações dos moradores dos Prazeres se fizeram ouvir. E foram encaminhadas para uma assembleia do condomínio, que ocorreu na última quinta-feira. Mesmo após dias da reunião, ainda não temos nenhuma notícia do que foi deliberado na agregação e isso, infelizmente, aprofunda ainda mais a falta de diálogo com os moradores dos Prazeres.

São essas reivindicações:

   (20) vagas em locais onde não atrapalhariam e nem incomodariam o condomínio

  Um pequeno espaço para motos

A permissão para entrega, em, no máximo, caminhões médios de entrega, mudanças, compras de mercado, etc.

   Entrada de táxis

  A entrada de motos para os eventos, que devem ir direto para o Campão, sem ficar no Condomínio

Obs: Fica ainda o compromisso de não permanecer nenhum material de construção mais que dois dias no espaço do condomínio. Isso impossibilitaria qualquer outra entrega.

vista do alto do morro, o Campinho e a rua que poderia ser uma via alternativa

Esperamos e torcemos muito para que, numa relação amistosa de décadas, as propostas passem e os moradores dos Prazeres possam viver em paz com o convívio necessário dos moradores do Equitativa. Que se faça como as músicas de Cartola e Noel Rosa, que aproximaram o morro do asfalto e o asfalto do morro. E que as vozes que possam dar o tom dessa convivência sejam sempre as vozes das maiorias e dos mais necessitados. Aqueles que participaram das construções e viviam naquelas terras, antes da existência de qualquer condomínio.