O pesadelo começa na eleição de Arthur Lira na Câmara dos Deputados

Lira e Bolsonaro, a mesma truculência Foto Metrópoles

O vereador carioca César Maia, pai do Rodrigo, conta uma historinha reveladora de que não é só Paulo Guedes o inspirador do modelo Pinochet no Brasil. Para refrescar a memória dos que perderam essa aula por causa da pandemia, o general fascista Augusto Pinochet, que derrubou o presidente socialista Salvador Allende no Chile em setembro de 1973, tomou o poder com mão de ferro depois de ter assumido o comando supremo das forças armadas por nomeação do próprio presidente. Até ai, nada de novo, Castelo Branco fez igual com João Goulart e o general Vilas Boas, mesmo comandando só o Exército e já sofrendo de um mal degenerativo, repetiu a dose com Dilma Rousseff fazendo juras de amor à Constituição e de fidelidade à democracia. Hoje é assessor especial de Bolsonaro.

Militares latino-americanos têm fama de traíras, muitas vezes por propina. O comandante do II Exército de João Goulart, por exemplo, resistiu à ideia do golpe de 1964 até receber 1,2 milhão de dólares da Fiesp. Sem o general Amaury Kruel, o risco do golpe fracassar era enorme e o suborno foi providencial. Em todas as ocasiões, o pretexto foi a “ameaça comunista”, inclusive na versão mais recente, quando gritavam ensandecidos pelas ruas “Nossa bandeira jamais será vermelha!” investindo cegos como touro na arena contra qualquer pano dessa simpática cor mais identificada com o Internacional gaúcho e o América do Rio, time do Chico Anysio e do José Trajano, para citar apenas celebridades.

Deixando de lado a história, voltemos aos dias que seguem, em que Jair Bolsonaro grita “quem quer dinheiro?” da janela do gabinete em direção ao Congresso, ali no meio da Praça dos Três Poderes, para eleger o presidente da Câmara dos Deputados dos seus sonhos, Arthur Lira, do PP de Alagoas, estado de grandes personalidades da república, desde Deodoro da Fonseca a Fernando Collor a Paulo César Farias, o deputado Talvane Albuquerque e por aí vamos ladeira abaixo. Mantendo a longa tradição, Lira enfrentou acusações graves de Jullyene Lira, sua mulher por dez anos de tapas e beijos, terminados nos tribunais.

Em recente entrevista à Folha de S. Paulo, diário preferido do Planalto, Jullyene disse sobre o ex: “Me agrediu, me desferiu murro, soco, pontapé, me esganou. Ele me disse que onde não há corpo não há crime, ‘eu posso fazer qualquer coisa com você’. Aquilo era o machismo puro, o sentimento de posse.” O rolo se deu porque o candidato de Bolsonaro ao comando da Câmara usou Jullyene como laranja e a fez mudar o depoimento num processo sobre violência doméstica, em 2006. Ainda segundo a ex-esposa, na entrevista à Folha, Arthur sempre foi um destrambelhado:

Ele sempre foi destemperado, explosivo, mas nunca pensei que pudesse chegar a isso. A gente acha que vai acontecer, aí você recua, ou se cala, se tranca, corre, vai para o banheiro para não chegar às vias de fato. Porque ele é muito estúpido, quem conhece sabe, é ignorante. A sensação é de que o poder dá mais força a ele. Lira foi absolvido em 2015 e é perfeito para Bolsonaro tocar adiante seus projetos principais no Legislativo, bem distantes dos olhos e da percepção do povão que exclama “Mito! Mito!” onde ele pisa. Personalidades tão semelhantes devem mesmo andar juntas lutando pelos mesmos ideais.

Para tratar desses ideais, voltemos a Santiago do Chile nos piores anos da implantação da ditadura. O país tinha pouco menos de dez milhões de almas naquele tempo, ou mais ou menos um décimo do Brasil dos “90 milhões em ação” há pouco lembrados pela ex-atriz Regina Duarte em um papel menor na sua curta temporada brasiliense. Mas não estou aqui para tratar da cultura, tão bem conduzida pelo ex-futuro ator…como se chama mesmo? Ah! Mário – não aquele atrás do armário hehehe. Perdão. Anedota em desuso de acordo com o Manual do Humor Politicamente Correto (Humpf, na sigla em javanês).

Pois Pinochet, como ditador absoluto, promoveu mudança na Constituição do Chile e elevou os carabineiros (a PM local) a integrantes das forças armadas, sob ordens, orientação, treinamento e tudo o mais do Exército àquela altura abertamente fascista, genocida, sem qualquer controle da sociedade. Assim se deu e você pode constatar pelas imagens dos protestos em Santiago o nível de desrespeito aos direitos civis e humanos de quem quer que se meta na frente da polícia que, até Allende, era exemplo continental de civilidade e honradez na segurança pública do povo chileno.

Bolsonaro já tem na gaveta, redigido por gente que está nas forças armadas tramando a tomada do poder desde o tempo em que Lula começava a conversar com a direita golpista acreditando em namoro e amizade. O que advirá de semelhante mudança entre nós é logo de cara uma Polícia Militar muito mais letal e genocida. a Proposta de Emenda à Constituição na gaveta presidencial estabelece o excludente de ilicitude, retira dos governadores autoridade, poder de nomeação e demissão e ingerência nas PMs, cria a patente de general da Polícia Militar e dá outras providências a estudar com mais detalhamento. Seremos um Chile de Pinochet com 212 milhões de habitantes, o estado policial mais populoso do Ocidente.

Para aprovar no Legislativo as mudanças, Bolsonaro tem de contar com o presidente da Câmara sob seu comando, inspiração e como seu espelho na vida pública, já que são tão parecidos no particular. Aprovando essas iniciativas em 2021, a reeleição virá a seu tempo, sem esquerda, com fraude, sem investigação, com rachadinha, evangélicos ligados ao tráfico e extorsão de fieis, laranjas e grossa corrupção, como era no tempo do inesquecível torturador e assassino de quem Bolsonaro é fá confesso. O Brasil será governado pelo Inferno como na ditadura dos sumiços, sequestros, torturas, Bolsonaro terá as polícias, milícias, grupos de extermínio sob suas ordens, vai se livrar dos esquerdopatas da imprensa e dos vermelhos de todos os matizes, e Jullyene poderá ter o fim prometido lá atrás por Arthur.