O Núcleo Audiovisual do Alto da Brasília: narrativa, oralidade, memória e patrimônio da comunidade

Filmagens do documentário- Crédito: NAAB

As narrativas históricas as vezes priorizam acontecimentos e pessoas com o intuito de privilegiar posições de poder na hierarquia social, bem como sedimentar discursos favoráveis a determinados espaços em detrimento de outros.

Geralmente, estamos acostumados a ouvir a palavra patrimônio como algo relacionado ao ostentoso, luxuoso e elitizado. E isso se dá nas esferas material, espacial e simbólica.

A Professora Cecília Londres, doutora em Sociologia enfatiza que “Patrimônio é tudo o que criamos, valorizamos e queremos preservar: são os monumentos e obras de arte, e também as festas, músicas e danças, os folguedos e as comidas, os saberes, fazeres e falares. Tudo enfim que produzimos com as mãos, as ideias e a fantasia”.

Desse modo, a ideia antes mencionada sozinha não se sustenta, e a partir dessa outra designação compreensiva, temos um leque maior de artefatos que nos levam a considerar diversas práticas cotidianas dentro dessa conceituação mais intensa.

De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN, “O patrimônio cultural de um povo é formado pelo conjunto dos saberes, fazeres, expressões, práticas e seus produtos, que remetem à história, à memória e à identidade desse povo”.

E os grupos sociais eternizam suas vivências nas diversas formas de fazer e viver, uma delas é a oralidade, a narrativa sobre o vivido e o que foi ouvido durante o percurso temporal.

Mas as narrativas históricas priorizam todas as pessoas, sem distinção de classe e recorte espacial? Se levarmos em consideração a imagem fixada que outras narrativas construíram e constroem diariamente sobre as periferias e seus agentes, veremos que esses sujeitos e seus espaços estão construídos pelas mídias como sinônimo de degeneração moral, caráter escuso e tantos outros estereótipos que são “naturalizados” diariamente sobretudo pelos veículos de comunicação locais.

Na contra mão de tudo isso, a periferia tem outras interfaces, outras vivências e agenciamentos positivos que pulsam diariamente nas ações dos seus moradores. Eles têm inúmeras formas de engajamento.

A criação do Núcleo Audiovisual do Alto da Brasília

Aqui, aproveito para mostrar uma iniciativa tomada em 2018 por um grupo de jovens de uma periferia do Sobral, no Ceará, mais precisamente no bairro Alto da Brasília.

Os jovens Diney Oliveira, Lype de Oliveira, Júnior Dias, André Netto e Micheline Dias, resolveram criar o Núcleo Audiovisual do Alto da Brasília-NAAB, com o objetivo de “registrar e preservar as narrativas, memórias e histórias do Bairro Alto da Brasília, pois a história nunca para, e como atores do nosso tempo temos como dever, fazer nossa parte, o NAAB é cumprimento desse dever enquanto moradores”. (Diney Oliveira).

Eles afirmam que o interesse em saber mais sobre a história do bairro em que moram surgiu da percepção de que não havia nada escrito sobre ele, mas existem as narrativas de pessoas mais antigas que vivem naquele espaço, e consequentemente têm muito para contar.

Diney afirma que “foi daí que decidimos nos reunir para criar o NAAB como forma de resgatar essas narrativas e preservar as histórias e memórias do bairro”.

Idealizadores do NAAB. Crédito: NAAB

Sendo assim, o Núcleo Audiovisual do Alto da Brasília-NAAB se configura como “um coletivo de memória, é um arquivo público de documentos orais e visuais do bairro Alto da Brasília”, como aponta Diney.

Hoje, o foco de atuação dos idealizadores do NAAB se dá, de acordo com Diney Oliveira, “em trabalhar a história do bairro por meio das narrativas e memórias dos moradores”, como uma forma de suprir a carência de escritos sobre o lugar, conforme já apontaram.

Em 2020, eles lançaram o Projeto CONHECER PARA PERTENCER, que segundo Diney, tem como foco “trabalhar a história do bairro para as crianças e adolescentes, de forma pedagógica nos espaços públicos e privados do bairro”, mas infelizmente, com a chegada da pandemia, essa iniciativa teve que parar, pelo menos, por enquanto.

Ainda em 2018, os idealizadores foram contemplados no Edital Ação Jovem, da Secretaria de Cultura, Esporte, Juventude e Lazer – SECJEL, por meio do Instituto ECOA, onde produziram o documentário ‘Alto da Brasília: Histórias, Memórias e EU!’

A exibição da obra foi apresentada para os moradores na Praça Paulino Rocha, na parte central do bairro. Conforme os produtores, “O documentário apresentou um pouco o processo de formação e ocupação do bairro por meio das narrativas e memórias dos moradores mais antigos”.

O documentário está disponível no canal do NAAB no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=QSx1RANXLW8

Comunidade assistindo ao documentário- Crédito: NAAB

Engajamento da comunidade

Cabe ressaltar a adesão positiva da comunidade com as iniciativas do NAAB. Diney afirma que os moradores interagem bem com as propostas, prova disso é que quando da produção do documentário, além da participação de alguns moradores, eles também ajudaram na divulgação e compartilhando fotos e documentos que ajudaram a contar um pouco sobre a história do bairro.

De acordo com Diney, “hoje eles veem o NAAB como lugar de memória, como também uma ferramenta de comunicação entre o bairro, as pessoas e as histórias que se interagem ao longo do tempo”.

Vale lembrar que os jovens organizadores não dispõem de aparelhos sofisticados para a produção de imagens, eles utilizam ferramentas simples e cotidianas acessíveis à boa parte das pessoas atualmente.

Diney esclarece que, “Utilizamos apenas um smartphone e temos o Lype e Gui que cuidam das edições de vídeo e eu faço edições de imagens.

O documentário foi todo filmado com um smartphone e um microfone artesanal improvisado de um fone de ouvido de celular”. Ressaltam ainda que não recebem patrocínios para suas produções, tudo é comunitário.

Projetos futuros

Para o futuro, estão com duas ideias: a primeira é fazer um documentário sobre a capela do bairro, e a outra é criar um memorial com o material adquirido ao longo das pesquisas.

E Diney complementa dizendo que, “E para tudo isso acontecer estamos pensando ainda sobre captação de recursos, mais de uma coisa temos certeza, vamos precisar demais da ajuda da comunidade. O nosso bairro tem essa força, a comunidade é participativa, de forma tímida, mas participa”.

Por fim, essa é mais uma das inúmeras iniciativas periféricas que rompem com os estereótipos e o pânico moral lançado sobre as periferias e seus agentes.

Isso é o que a mídia de forma hegemônica não costuma mostrar, nem mesmo os blogs locais, que centram seus conteúdos quase que exclusivamente em exibir as desgraças, sendo que estas, acontecem em todos os lugares, independente de classe.

Iniciativas como o NAAB desconstroem a ideia centralizada de patrimônio apenas como algo referente as elites. O patrimônio é o povo, suas vivências, formas de fazer, suas contribuições na construção de um legado.

Idealizadores do NAAB com a comunidade. Crédito: NAAB

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