O judiciário, seus heróis e vilões?

Glenn Greenwald. Reprodução.

Sérgio Moro “herói do Brasil” era como o chamavam. Camisas amarelas escritas “Morobloco” homenageavam o então juiz. Nas últimas manifestações pró governo, havia até um boneco de Moro caracterizado de super homem. Desde que começou a Operação Lava Jato, Moro, juiz do caso, foi idolatrado por muitos brasileiros, quando, em 2019, tornou-se ministro de Bolsonaro sua popularidade foi maior do que a do presidente. A partir de 2014, quando a espetacularização do judiciário com a Lava Jato tomou conta do país e o nome de um juiz era conhecido por todos, começou-se a debater a parcialidade do mesmo. Entretanto, foi só em Junho de 2019 que se obteve provas de seu posicionamento político por meio do Intercept Brasil e do jornalista Glenn Greenwald. A divulgação de reportagens com conversas no aplicativo Telegram evidenciava uma movimentação não só do Moro como dos procuradores da Lava Jato se articulando juntos para, entre outras coisas, tirar o PT, e particularmente o Lula do jogo político. Todas as mensagens podem ser lidas no site do Intercept Brasil. O que foi exposto pelos jornalistas é um marco na história do país pelo tamanho do escândalo que ela significa. Pois por mais que a politização do judiciário já seja debatida há algum tempo, é a primeira vez que temos provas de um juiz e de procuradores se articulando com base em seu claro posicionamento político. Entretanto o vazamento das mensagens foi recebido de forma polarizada pelos brasileiros. Uma parte a recebe com seriedade, como prova dessa politização da justiça, como um grande escândalo brasileiro e a outra diz que essa é uma tentativa de Glenn Greenwald prejudicar o Brasil, e desmerecer os ganhos da Lava Jato. Essa situação chegou ao nível de se iniciar uma petição online pedindo a deportação do jornalista, que até no dia 27 de junho contava com 27.448 assinaturas. No país ainda falta o entendimento de que o juiz se articular com o ministério público ajudando na acusação é ilegal e que censurar um jornalista ou deportá-lo por divulgar informações de interesse público é um crime conta a liberdade de imprensa.

Na terça-feira, 25 de Junho, o jornalista compareceu à Comissão de Direitos Humanos e Minorias para falar sobre os vazamentos divulgados pelo Intercept. Mais uma vez esclareceu que as mensagens são de interesse público e que são “para fortalecer e não enfraquecer a luta contra a corrupção” pois “é impossível lutar contra a corrupção usando corrupção”. O jornalista fez questão de utilizar as redes sociais para evidenciar esse ponto dizendo sempre que o Sérgio Moro não tem o monopólio da luta contra  corrupção, eles estão fazendo isso também. Entretanto o juiz segue com atitude não de negar as mensagens e sim negar sua autenticidade alegando que as mesmas podem ser falsas. Greenwald também falou que tem recebido ameaças diversas, mas que a pior vem do próprio Ministro Sérgio Moro “O tempo todo Sergio Moro está nos chamando de aliados de hackers, tentando falar que tivemos envolvimento na tentativa de pegar os documentos. Ele já foi denunciado por muitas organizações que têm como propósito defender a liberdade de imprensa, porque a intenção de Sergio Moro é muito óbvia: ele está tentando nos ameaçar, nos intimidar, nos criminalizar”, disse o jornalista. Depois disso deixou claro que não vai deixar o país, e que a Constituição garante a liberdade de imprensa a qual ele se apoia. O que fica claro é que com a polarização do nosso país, há  um movimento em transformar alguns em heróis e outros em vilões. Mas como a verdade tende a mostrar, essa visão é muito limitada e os nossos antigos heróis estão perdendo suas capas. É muito importante não se limitar a delimitações simplistas e buscar entender a complexidade do jogo político que ocorre no Brasil, e as conversas divulgadas são de extrema importância para isso. Por fim, tanto Glenn Greenwald como todos os jornalistas que o apoiam para divulgar esses vazamentos estão apenas fazendo o que é esperado de jornalistas e é legítimo, pois se trata de informações de interesse público. Se for para continuar tratando o Brasil como história em quadrinhos talvez esteja na hora de rever quem são nossos “vilões”.

*Matéria exibida no jornal A Voz da Favela de Julho de 2019.