O judiciário e seu racismo implícito

Fazendo uma leitura com recorte racial e de classe da "condenação dos 23" pela Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Quando uma sentença judicial grita mais pelo que não foi dito.

Imagem de internet

Complicado não se assustar ou criticar algo que venha da parte criminal TJRJ, em sua maioria, sobretudo em tempos de epidemia punitivista que assola o judiciário nacional. Porém, o caso dos 23 condenados por atos ocorridos nas manifestação de 2013 é mais simbólico pelo que não está escrito na sentença do Juiz Flávio Itabaiana, titular da 23° Vara Criminal da Capital, do que em razão do que foi dito.

Tive contato com toda a problemática da sentença ao ler o texto do grande jurista e norteador para todos do mundo penal, o professor Lênio Streck. De modo que, é difícil acrescentar ao algo a um texto de Lênio. Mas me parece que cabe uma leitura fazendo um recorte racial e classista da sentença e do que ela não fala mas deixa subentendido.

O interessante aqui é, que façamos o contraponto com o réu pobre, preto e favelado tendo em vista que os condenados, em sua maioria, e em especial o Réu Luiz Carlos, de apelido Game Over, ser uma pessoa de classe média e morador de bairro nobre, como dito pelo julgador.

Ao falar do Réu LUIZ CARLOS RENDEIRO JÚNIOR, vulgo “GAME OVER”, o julgador expõe: “(…)Outrossim, o réu em comento tem uma conduta social reprovável, pois, apesar de se tratar de uma pessoa de classe média, o que pode ser constatado pela sua profissão e residência, não trilha o caminho da honestidade (…)”.

Fato é que (re)vivemos a figura do direito penal do autor, em que a conduta social do acusado e quem ele é vale mais do que o delito em tese por ele praticado. Nesse caso, em que juiz coloca “apesar de tratar de uma pessoa de classe média”, o que não foi dito fala mais do que o que foi dito em sentença.

Parece que a condenação de “game over” se dá a contragosto, pois, no seu mundo real ou ideal, pessoas de classe média não cometem atos do tipo. Ao falar “apesar de se tratar de uma pessoa de classe média” quando se refere à conduta social reprovável, deixa subentendido pelo julgador que, condutas sociais reprováveis não são esperadas de pessoas de classe média, logo, por óbvio, condutas sociais reprováveis são esperadas somente de pessoas que não habitam a classe média, ou habitam seu oposto, classe média baixa ou classe baixa, seja como queira chamar pessoas que são colocadas nos extratos sociais mais baixos.

O que não foi dito, mas grita, é pensar que, o oposto da etiqueta imposta ao réu branco de classe média, é o cara de classe média baixa, pobre, de favela, tom de pele escuro e sem o status conferido pelas relações sociais e por habitar um bairro nobre. Desse cara, por mim descrito, o juiz espera uma “conduta social reprovável”,logo, sua condenação é natural, ao passo que a de “Game Over” seria antinatural. Eu chamaria de preconceito de classe, mas deixo o leitor disponível para livre interpretação.

Se o nobre é condenado apesar de ser nobre, a contragosto, por ocupar um lugar onde, em tese, não há a prática do que foi feito,  o que esperar quando um pobre ocupa o lugar que, pela lógica do texto o pertence? O lugar de praticar uma conduta social reprovável. Como não imaginar que em condições normais de temperatura e pressão esse acusado pobre, favelado e sem status social já não entra condenado?